Capítulo 15 - Fortaleza de Sucata

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A garota estava naquele lugar escuro havia algum tempo. Ela observou uma estreita abertura no topo, o único lugar por onde entrava ar. Com um certo esforço, ela pulou ali e se pendurou. Pela fresta fortificada com pequenas barras de ferro, ela observou ondas agitadas, poucos metros abaixo dela.

— Será que estou na Grande Banheira? Mas a água da banheira não se agita tanto... —  questionou-se.

Talvez fosse mesmo a banheira, desde que uma ventania incomum estivesse atingindo a região. Aneline não conhecia muito bem o Mundo das Bizarrices. O pouco que Shad revelou sobre a banheira, é que estava sob domínio dos adoráveis

Ane estava com fome e frio. Gritou ali por algumas horas, mas ninguém apareceu. Até que a prisão começou a se movimentar um pouco. A garota ponderou que estava num tipo de embarcação. Talvez um navio ou uma plataforma flutuante.

"Se eu conseguir habilidade de voo, eu consigo sair daqui", pensou ela.

— Mascotinho, mascotinho, venha me ajudar. Do contrário, eu vou me lascar! — ela falou com convicção, mas não foi respondida. — Ué...

De alguma forma, o Besouro KPopper não estava respondendo. "Será que ele está cansado?", pensou.

Em seguida, alguém apareceu além das grades de sua cela. Aneline tomou um susto. Era o Lobisomem Agiota de novo. Ele estava de terno e chapéu. Seu olhar brilhou em meio às sombras. Ele se aproximou, então Ane pode ver o rosto peludo iluminado pelo luar. O lobisomem jogou um saco com comida para dentro da cela.

— Cadê ele?! Cadê o Shad? — perguntou a garota faminta.

— Sabe que seu amigo te levou pra uma emboscada, não é? — respondeu o lobisomem. — Ele é um de nós! He he!

— Não acredito em você! — disparou a garota, comendo um pouco do pão com geleia.

O trauma dela era tanto, que ao comer aquele doce, ponderou se não seria um veneno dos adoráveis ou qualquer coisa do tipo. Não teve paz sequer quando sua fome estava sendo saciada.

— Não acredita, é? Irei te provar. — O lobisomem se demonstrou interessado em perturbar a garota.

Ele abriu a cela e a conduziu por aqueles corredores feitos de sucata. Haviam boias, redes de pesca, e plástico cobrindo a lataria. O lugar balançava um pouco devido ao vento do lado de fora. O homem lobo levou a garota para alguns andares acima. Subiram por uma escada de ferro. Por fim, chegaram a um corredor luxuoso. Então foi mostrado a ela, uma porta bonita, onde havia uma placa dourada com a inscrição: "Shadomandosheidax", o nome completo de Shad.

— Não pode ser... — Ela se demonstrou firme. Convicta de que tudo não passava de uma armação.

O lobisomem abriu a porta e mostrou o interior. Uma iluminação vermelha e um lugar confortável tematizado para vampiros. Haviam alguns cartazes sobre corrida de aranhas nas paredes. Também notou alguns panfletos do spa da Dona Garguleza em cima da escrivaninha. O lobisomem abriu um armário em formato de caixão. Ali estavam vários cachecóis negros, boinas pretas, protetores solares de fator altíssimo e óculos escuros. Depois abriu o frigobar, que estava lotado de caixas de Sanguynho.

Ane viu também, um desenho em uma folha de papel colada na cabeceira da cama. Era Shad desenhado de mãos dadas com uma bruxa. Havia sido feito por uma criança, notava-se pelos traços.

— É a Tereza... São as coisas pessoais do Shad — cedeu a garota. Estava chocada e triste. Tentou, mas não conseguiu impedir o semblante caído e os olhos encharcados.

— Viu? Seu amigo vampiro é um traidor! — O lobisomem sorriu, então levou a garota de volta à cela.

Isso não saiu da cabeça da garota. Pensou em todas as vezes que Shad encontrou com o Lobisomem Agiota no caminho, e nas vezes que o vampiro agiu de forma estranha. Na saída de Infame Brigadiça, eles demonstraram se conhecer há algum tempo. E no fim da Rota dos Emulacros, eles falaram sobre um acordo suspeito.

Embora não quisesse, estava sendo mais fácil acreditar na história do lobisomem do que pensar na inocência de seu amigo. Depois de tanto chorar, ela se deitou. Até tentou dormir, mas foi acordada após ser banhada por água vinda da janela. Ela se pendurou ali e viu uma forte tempestade do lado de fora. As ondas se agitavam fortemente.

Aneline não conseguiu dormir. Mas de tanto cansada, passou o resto da noite entre o sono e a realidade. Quando foi acordada por um barulho, sentiu como se não tivesse dormido cinco minutos. Olhou pela janela, contemplando o mar mais calmo e o nascer do sol emitindo seu primeiro raiar. Sua barriga roncou de fome. Já havia se esquecido do barulho que a acordou. Quando viu Shad do outro lado da grade acabou se assustando novamente.

O vampiro trazia consigo a mochila e as coisas de Aneline. Utilizou uma chave para abrir a cela com rapidez. Deu um sanduíche à ela. A garota comeu enquanto ele a ajudava a colocar seus equipamentos. Vestiu-se da armadura de orc brinquedo e pegou seu escudo de coração reflexivo. A espada de madeira já estava meio chamuscada e podre pela umidade. Shad colocou a mochila nas costas e apressou a garota para saírem dali.

Os dois começaram a andar furtivamente por aqueles corredores. Assim que a barra ficava limpa, avançavam com velocidade. Ane ficou realmente irritada.

— Você pode me dizer o que aconteceu? — perguntou ela.

— Agora não, Ane. A máfia dos patos está aqui.

A garota bateu com o escudo na cabeça do vampiro, amassando a boina e desfazendo o penteado.

— Ai! Qual seu problema? — reclamou ele.

— Eu que pergunto. Por que fica mentindo pra mim?! O lobisomem me falou tudo. Ele me mostrou seu quarto...

Shad ficou sem palavras. Entristeceu-se e prometeu para a garota:

— Te juro que contarei tudo assim que sairmos daqui. Agora não dá, porque os patos estão por aí.

Eles andaram mais e pararam antes de um salão enferrujado onde haviam forjas, tonéis, e vários patos de borracha flutuando, fazendo a guarda.

— Tudo bem, vamos precisar que você chame o Besouro KPopper. Está preparada? Um, dois... — O vampiro foi impedido pela garota.

— Calma! Desde que fui capturada eu não consigo mais chamar o besouro — explicou Aneline.

— Verdade? — o vampiro indagou confuso.

Ele abriu a mochila e pegou um potinho lacrado com um líquido transparente. Então puxou um dos cabelos da garota.

— Ai! — resmungou ela.

O vampiro pôs o fio de cabelo dentro do líquido, e este ficou de cor rosa.

— Ô-ou... Deu negativo... — o vampiro olhou para ela com preocupação. — O que aconteceu com você quando foi capturada?

— Não sei. Você não pertence a essa máfia? Qual método vocês usavam para capturar pessoas? — Ela demonstrou sua indignação ao falar com ironia.

— Não jogaram uma fumaça verde na sua cara, jogaram?

— Jogaram! — a garota se irritou. Mal sabia que isso era mais grave do que imaginava.

O vampiro deixou a preocupação ser convertida em puro medo. Ane percebeu os olhos arregalados dele, logo desfazendo a cara de raiva e descruzando os braços. Foi de emburrada à preocupada.

— Você foi envenenada... — disse o vampiro.

— Eu vou morrer?! — a garota perguntou, quase chorando.

— Não. Algo pior. O Besouro KPopper morreu.

— O quê?! — Ela deixou suas primeiras lágrimas caírem.

— Tecnicamente, ele nunca existiu. Era fruto da sua imaginação, um dos efeitos da poção da consciência que você tomou. A Princesa de Corações Floridos deve ter notado e então te envenenou para tirar os efeitos da poção. — Ele foi sincero.

— Mas para mim ele era real! — a garota pôs tudo pra fora. Foi abraçada pelo vampiro. — Me solta, Shad! Não confio mais em você! — Ela se indignou.

O vampiro ficou abatido, mas no fundo sabia que merecia. Esse momento foi interrompido. Alguns dos patos os avistaram.

"Qua-quak, quak quak qua qua", eles diziam. A habilidade de entender todos os idiomas já não existia mais em Aneline, agora que os efeitos da poção acabaram.

— Tome cuidado, Ane. — A garota viu o vampiro avançar ao salão das fornalhas, a fim de enfrentar os patos de borracha.

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