Encontro desagradável.

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            Castiel saíra mais cedo do estúdio, naquele dia. A banda havia se saído bem, sem a necessidade de regravar partes do novo single. Estava bem confiante de que aquela música seria um sucesso! Era sua obra-prima! A melhor letra que já escrevera!

Chegou em casa animado! Ansioso para contar à namorada sobre como tudo fluíra bem, durante as gravações. Todavia, estranhou ao encontrar todas as luzes apagadas, e nenhum sinal de Annelise.

Panqueca, seu cachorro, viera recebê-lo na porta, abanando a cauda efusivamente e latindo animado. Era bom ver um dos donos, depois de passar o dia todo sozinho.

— Oi, amigão! Ficou sozinho até agora? — Indagou, ouvindo o cachorro latir em resposta.

— Acredito que isso seja um sim. — Castiel riu, afagando atrás da orelha do animal. — Vem, garoto. Hora do jantar. — O ruivo disse, antes de assobiar, caminhando até a área de serviço, para buscar a ração.

Serviu um pouco da comida canina, em um pote de aço, deixando o cachorro comendo, enquanto olhava o relógio que estava preso ao pulso. Estava tarde! A namorada já deveria ter chegado.

Annelise estava demorando muito, para voltar para casa. Castiel estava começando a se preocupar. Não era normal que a namorada ficasse no café até tão tarde.

Achou melhor buscá-la no trabalho. Talvez, ainda estivesse cuidando do fechamento do caixa. Não seria uma boa ideia que ficasse sozinha fazendo aquilo, de noite. Poderia ser assaltada! Sabia muito bem o tipo de gente que andava pelas ruas, apenas esperando uma oportunidade de fazer merda.

Sua casa não era tão longe do café. Poderia ir andando facilmente! Mas, preferiu pegar o carro, no caso de Annelise querer sair para jantar, ou fazer alguma coisa. A verdade, era que a namorada andava um pouco estranha nos últimos dois dias. Talvez estivesse estressada, precisando espairecer. Afinal, ele sabia sobre os problemas que ela estava tendo com os credores. Toda aquela maldita burocracia a deixava em uma pilha de nervos.

Apanhou a chave do carro, que estava presa em um chaveiro na parede da cozinha. Sempre deixavam as chaves ali, para ser mais fácil de encontrá-las em uma emergência. Novamente, apagou as luzes da casa, cruzando a porta.

— Panqueca, vigie nossa casa! Se alguém entrar aqui, arranque um braço! — Recomendou em tom brincalhão, antes de trancar a porta, indo até a garagem para pegar o carro.

Para seu alívio, as ruas estavam vazias. Poderia dirigir tranquilo, sem se preocupar com o trânsito. Chegaria rápido ao Cosy bear; talvez com tempo suficiente de ajudar Annelise a fechar o caixa. Imaginou que ela precisaria de uma mão.

Ele queria aproveitar a falta de movimento no trabalho da namorada, para que pudessem conversar um pouco, sobre o que a estava preocupando. Acreditou que seria uma boa oportunidade para que ela se abrisse.

Todavia, ao chegar à cafeteria, reparou na caminhonete estacionada quase na porta. Estranhou um pouco. Imaginava que algum cliente ainda estivesse lá. Seria algo incomum, mas perfeitamente justificável. Às vezes, algum dos amigos de Annelise, acabava ficando ali, conversando com ela até a hora de fechar. Quem sabe algum deles tivesse perdido a noção do tempo?

O rapaz caminhou tranquilamente, subindo um pouco a gola do casaco de couro, por conta do frio. O vento agitava as mechas ruivas, que vez ou outra caíam sobre os olhos cinzentos, enquanto Castiel se aproximava cada vez mais da porta do café.

No entanto, através do vidro transparente da porta entreaberta, o rapaz diferiu duas silhuetas. Uma, era baixa, feminina, delicada. Claramente Annelise. Porém, a segunda era alta, robusta, usando vestimentas no mínimo peculiares.

Foi inevitável a expressão que mesclava entre raiva e espanto, quando mesmo de longe, viu que Annelise estava sozinha com outro homem. Apressou o passo, quase correndo para dentro do café. Queria saber quem era aquele cara.

Foi então que Castiel travou. Já estava perto o suficiente para conseguir diferir o rosto daquele que segurava a face de sua namorada, de modo tão íntimo. Queria muito estar enganado! Não era capaz de acreditar! Sentiu-se um tanto zonzo, por alguns segundos. Mas, logo a zonzeira passou, dando lugar a raiva.

O reconhecia perfeitamente! Ele era inconfundível! Aquele cabelo prateado, os trajes vitorianos, não tinha como negar: ele havia voltado. Aquela, era de longe a surpresa mais desagradável que Castiel poderia ter, na nova fase de sua vida. Afinal, não era idiota. Sabia perfeitamente que Lysandre fora o grande amor da vida de Annelise. Mesmo que outrora o rapaz tenha sido seu melhor amigo, agora o considerava uma ameaça.

— Só pode ser brincadeira! — Disse entredentes, ainda incrédulo com o que via, mesmo um pouco distante. Fechou ambos os punhos com força, comprimindo os lábios e franzindo o cenho. Seu corpo tremia, enquanto vislumbrava o modo como Lysandre tocava o rosto de sua namorada.

O corpo se moveu por impulso, assim como tudo em sua vida. Castiel sempre fora um cara que agia pela emoção; nunca pela razão. Isso já o complicara uma dezena de vezes. Aquela ocasião certamente não seria diferente das outras.

Lysandre ainda afagava o rosto de Annelise, com ambos os polegares, cada um pousado sobre uma das bochechas da moça. Ele estava tão feliz, só pelo simples fato de estar ali, que o sorriso não sumia de seus lábios.

— Ainda não acredito que você está aqui. — Annelise disse, em tom quase choroso. Agora, era ela quem afagava o rosto de Lysandre, afastando da testa do rapaz, uma mecha de cabelo. Ele era real! Tão real e palpável, quanto fora na época da escola.

O rapaz sorriu de modo abobalhado, levando os lábios à testa da moça, em um beijo repleto de carinho. — Eu voltei por você, Annelise. Somente por você. — Confessou. — Temos tanto o que conversar... Tenho tanto a lhe dizer. Por todos estes anos, eu sofri, sonhando em revê-la. — Agora, ele tornava a olhá-la nos olhos, ainda segurando-lhe o rosto entre as mãos.

— Eu sempre sonhei com o momento em que você voltaria. O esperei por tanto tempo. Estava desacreditada. Achei que nunca mais o veria. — Annelise quase chorava, ao dizer aquilo. O fato, era que seu coração parecia explodir em tanta alegria, por rever seu grande amor.

— Eu também achei que jamais fosse vê-la novamente e isso me torturou. Nós realmente precisamos conversar, Annelise. Quer ir a algum lugar mais tranquilo? Talvez possamos ir ao cinema, e depois paramos em algum lugar onde consigamos conversar com mais calma. — Lysandre sugeriu.

— É uma boa ideia. Só que antes eu preciso... — Parou no meio da frase. — Lysandre as coisas mudaram um pouco. Pode acabar ficando decepcionado. — Ela preferiu ser sincera.

— Está tudo bem, eu sei que você está com o... — Lysandre foi interrompido, pelo tilintar do sininho acima da porta. — Castiel! — O rapaz disse, ao olhar para o lado, vendo o ruivo entrar na cafeteria. Pela expressão dele, estava furioso. Lysandre o conhecia muito bem. Por puro reflexo, se afastou de Annelise, que parecia tão atônita quanto ele. Aquela situação era no mínimo constrangedora.

— E aí, Lysandre. Não vai dizer "oi" a um velho amigo? — Castiel indagou, em tom sarcástico. Embora sorrisse, lançava um olhar ferino ao outro rapaz. Estava puto, isso era nítido.

— Olá, Castiel. Como vai? — Lysandre o cumprimentou do modo mais educado possível, embora lhe lançasse o mesmo olhar repleto de raiva. Não conseguia esquecer como fora traído, por alguém que considerava como um irmão. O que Castiel fez, era imperdoável.

— Ah, eu estou bem! Na verdade, estou ótimo! Carreira brilhante na música, uma legião de fãs, uma namorada gata. Não poderia estar melhor. — Enquanto falava, Castiel ia abraçando Annelise pelos ombros, a puxando para perto de si. Queria mostrar que ela agora lhe pertencia. — E você? Ainda escrevendo aqueles poemas tão cheios de frescura, que ninguém entende? — Castiel o provocou.

Lysandre estava fervendo, por dentro. Aquele cara sabia como ser irritante! Agora conseguia compreender perfeitamente porque Nathaniel o detestava, quando estudavam na mesma classe. Chegou a abrir a boca para dar uma resposta, mas Annelise fora mais rápida.

— Por favor, não comecem com isso. — Ela os censurou. Não queria que começassem uma briga.

Lysandre suspirou, tratando de se acalmar, ainda que quisesse mostrar a Castiel que não estava intimidado. Todavia, por respeito a Annelise, continuou calado.

— Castiel, o Lysandre me convidou para ir ao cinema. Eu já ia te mandar uma mensagem, avisando que chegarei um pouco tarde em casa. — A moça avisou. Mesmo com aquela situação desconfortável, sabia que precisava conversar com Lysandre, para que conseguissem resolver aquelas questões que estavam nitidamente pendentes entre eles.

— É uma ótima ideia! Eu também vou. Poderemos ver um filme juntos! Os três! Como nos velhos tempos. — Castiel lançou um sorriso cretino a Lysandre, que o fuzilava com os olhos. Estava odiando ver aquele cretino abraçando a mulher a quem amava.

— Por mim tudo bem. — Lysandre disse, mas, estava nitidamente incomodado. Não era o que ele queria.

— Ótimo! Vai ser uma noite divertida. Mas, a Annelise vai comigo, no meu carro. Aquela caminhonete lá fora é sua, né? Não parece ter muito espaço. — Castiel não parava com as provocações. Queria que Lysandre percebesse que não tinha lugar ali.

— Nós três podemos ir no nosso carro, Castiel. Tem espaço para todos. — Annelise sugeriu. Porém, aquilo não agradou nenhum dos dois.

— Não! — Os rapazes responderam em uníssono, ambos de cara amarrada. Um continuava encarando o outro, com um semblante enraivecido.

— É melhor cada um ir com seu carro, Annelise. Eu sigo vocês. — Lysandre respondeu, sem tirar os olhos de Castiel. Nunca sentira tanta raiva de alguém, como sentia dele, naquele momento.

— Ótimo. Só toma cuidado para não se perder. Você sabe. Não conseguia andar nos corredores da escola, sem entrar na sala errada. — Castiel riu em deboche, andando para fora do café com Annelise.

Lysandre os seguiu, tremendo de tanta raiva. Aquela noite seria longa.

A roseira e os espinhos.Onde histórias criam vida. Descubra agora