Endividada no Banco do Coração

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"Boa tarde, eu gostaria de falar com o gerente, por favor."

"Claro, senhora, pode aguardar logo ali, ele já vai te chamar."

"Obrigada."

Aguardei ser chamada naquela sala vermelha e quente. Ouvia as engrenagens funcionando, sentia toda a agitação que estava acontecendo, mas eu não me importava com nada daquilo. Eu estava no Banco do Coração à negócios.

"Brenda?", o gerente chamou.

"Oi."

Eu me levantei e segui o homenzinho careca até a sala dele. Os móveis tremiam a cada batida do coração, mas ele não parecia notar. Eu estava ficando enjoada com todo aquele movimento, apesar de ter vindo aqui diversas vezes, eu ainda não estava acostumada.

"Veio fazer outro empréstimo?", ele me perguntou com um sorriso.

"Não, eu vim negociar as minhas dívidas. Quero quitar tudo."

O meu gerente levantou uma das sobrancelhas grisalhas e espessas, parecia impressionado. Por fim, ele assentiu e buscou algo no computador dele. Fiquei aflita enquanto o ouvia digitar rapidamente.

"Devo dizer que a situação não é boa."

"Eu sei...", minha voz quase falhou, sabia que eu estava endividada até a próxima vida, mas eu precisava ao menos tentar pagar tudo.

"A senhora fez muitos empréstimos nos últimos 12 meses, especialmente de empatia, sabe que os juros desse tipo são mais altos."

Eu assenti, envergonhada. No último ano eu passei a vir quase semanalmente ao Banco do Coração para pedir empréstimos, seja de empatia, amor, força ou coragem. Estava em um relacionamento que me exigia mais do que a minha cota, mais do que eu tinha guardado no cofre e tive que recorrer ao banco para conseguir manter tudo aquilo em que eu tinha me metido. Mas agora já não existe relacionamento, é hora de pagar as dívidas.

"Consigo fazer um desconto para a senhora já que é cliente Premium Black Plus Super Ultra Power Lover. Força e coragem são mais difíceis de conseguir um desconto porque não saem muito, mas vou ver o que consigo fazer, combinado?"

"Eu consigo parcelar?"

"Sim, mas tem juros."

É claro que os juros para empréstimos no Banco do Coração eram altos. Quando se predispõe a sentir mais do que aguenta, você precisa pagar. Parcelar uma dívida nunca é algo fácil, especialmente quando essa dívida vem acompanhada de luto. Eu precisava urgentemente de mais coragem, força, paz e aceitação, mas eu não tinha mais como pedir nada. Eu estou falida, seca, exaurida. Eu não tenho mais nada a oferecer e não tenho como pedir sem que isso signifique uma dívida eterna com o banco. Ninguém quer uma dívida eterna com o banco, seja ele qual for.

Pagar os sentimentos que você emprestou é doloroso, pois ao contrário dos bancos tradicionais, aqui um cheque não vai resolver nada. O pagamento funciona de forma diferente: era preciso exercitar novos tipos de sentimentos, assim eles ficariam disponíveis para outros clientes do banco e, quando fossem solicitados, a sua dívida diminuía.

O meu gerente me mostrou a análise que o banco fez sobre o meu perfil. Aparentemente sou boa em incentivar meus amigos a crescerem, então uma das minhas formas de pagamento vai ser exercitar essa minha habilidade e deixá-la disponível para outros clientes. Em resumo, eu preciso fazer outras pessoas felizes, preciso criar novos laços e ciclos para que aos poucos minhas dívidas fossem quitadas.

Eu preciso voltar a cozinhar, um belo jantar conta muitos pontos em satisfação. Satisfação é bem cotado no Banco do Coração, presentear o estômago é o jeito mais fácil de conseguir. Eu preciso me cercar de amigos e de pessoas novas, preciso fazê-las sorrir para que eu vá recarregando também as minhas baterias. Estou abaixo do nível aceitável e não posso pagar nada se eu não tiver energia para isso.

A diferença do Banco do Coração para os tradicionais é que pagar dívidas não é bom apenas para um lado, é ótimo para ambos. Eu vou me beneficiar desses juros altos, pois enquanto estou pagando pelos empréstimos que fiz, vou também lidando com o luto, vou me sentindo cada dia mais forte.

Logo mais eu não vou dever mais nada, logo mais tudo isso vai ter sido só mais uma história de cliente endividada com assuntos do coração e eu e meu gerente vamos dar boas risadas sobre isso. Logo mais eu vou estar pronta para entrar na agência de novo e ver o meu nome limpo, as minhas energias carregadas e um sorriso de volta ao meu rosto. Espero que eu não precise mais fazer empréstimos, espero que na próxima vez o que eu tenho guardado seja suficiente. 

Endividada no Banco do CoraçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora