cheio de vida

177 47 18
                                    

Tinha momentos em que eu precisava ficar sozinho.

Não me leve a mal, não entenda errado. Sabe, você tem plena consciência de tudo de bom que tem em sua vida. Eu, por exemplo, consegui tudo o que eu almejei durante todo o decorrer de minha existência. Tenho uma linda esposa, dois filhos que são a razão do meu viver, um gato que talvez me odeie, um trabalho estável e vizinhos tranquilos.

Mas, as vezes, eu ficava cego. Eu preferia ficar cego.

Como nesse momento, em que depois de dar banho em Jeonghan pela terceira ou quarta vez no dia — ele está desfraldando, e isso me faz questionar muito os motivos pelos quais eu quis ter mais um filho — e de discutir com Taehyun mais uma vez na semana, eu apenas preferi estar cego para todas as coisas boas de minha vida.

Por que, certo dia, alguém me disse que eu preciso sentir. Seja o que fosse, seja como fosse, eu precisava sentir.

Então, deitado no chão da sala de estar vazia do meu antigo apartamento, eu sinto.

E, por Deus, eu sinto tanto.

Mesmo com quarenta e sete anos, eu ainda sinto as coisas como se fosse um adolescente. Claro, sem todo o drama externo, mas dentro de mim algo sempre queima.

E mesmo depois de anos, eu espero, nesse mesmo apartamento, nessa mesma sala de estar, a campainha tocar e eu correr para recebê-lo, pois só ele sabia me apagar. Só ele sabia conter todo o incêndio que me queimava e me engolia, dentro de mim.

Sou casado. Tenho dois filhos. Um gato. Um trabalho estável. Boa vizinhança.

E por que ainda prefiro fechar meus olhos pra tudo?

Bem, quando isso acontece, eu escuto sua voz vindo da lua. A lua canta pra mim, todas as vezes que estou dentro desse apartamento. Eu escuto sua voz, a melodia, mesmo não tendo letra, mesmo não tendo instrumento algum. As vezes, a batida do meu coração e minha respiração ajudam no ritmo, sempre calmo e ao mesmo tempo desesperador.

Eu perdi Jeongin com vinte e dois, mas ele canta da lua pra mim desde que eu tinha trinta.

A vinte e cinco anos atrás, no dia treze de maio, numa madrugada de sábado para domingo, depois de voltar de uma boate em que Jeongin havia ido com seus amigos, nós brigamos e terminamos definitivamente. Era um relacionamento saudável, sempre conversávamos sobre tudo que nos incomodava e só depois que a conversa já não adiantava mais, quando víamos que íamos começar uma discussão séria, ficávamos o tempo necessário afastados para esfriar a cabeça. As vezes, em quartos diferentes, as vezes, um de nós passávamos duas semanas na casa dos pais — mesmo que fosse em outra cidade.

Mas, naquele dia, apesar do contexto indicar que quem começou a briga fora eu, Jeongin foi quem iniciou a discussão.

Lembro perfeitamente da primeira frase que ele me disse. “Eu conheci outra pessoa hoje. Yeji. Ela faz o seu tipo. Vocês deveriam se conhecer também.”

Eu deveria ter desconfiado da forma que ele falava. De como saia pontadas de medo de sua voz, mesmo dizendo com calma e como quem não quer nada, apesar de estar cheio de intenções por trás.

Eu me assustei, isso não era algo comum de acontecer conosco. Não a parte de conhecer outras pessoas, mas sim de jogar o outro pra cima de alguém.

Discutimos até o sol nascer, e daquela vez foi uma briga estranha e alta, tudo porque Jeongin se recusava a dizer o motivo da insinuação. Mas, foi quando ele disse “Eu me cansei de você. Não tá entendendo? Eu não quero mais. Isso está monótono, eu me acostumei a você e isso nunca foi o que eu quis pra minha vida.” que eu finalmente entendi, e a discussão se deu por encerrada.

canção da lua • hyuninOnde histórias criam vida. Descubra agora