Amanhecer.
É tudo que consigo responder a ela. Não sei por que falei isso, mas sendo bem lógico, é mais seguro passarmos o resto da noite aqui enquanto é parcialmente seguro, e esperar o amanhecer para irmos até meu escritório procurar ajuda — ou que ela venha até o amanhecer, se tivermos sorte —, do que sair no meio da madrugada por esses corredores escuros com com uma pessoa armada à solta.
Preciso pensar positivo. É tudo o que me resta.
Mais uma hora se passa em passinhos de tartaruga, o que me deixa mais aflito, especialmente pelo silêncio exorbitante que domina o local. Isso dá espaço para deixar meus pensamentos fluírem, seja para um lado bom ou ruim. O único som existente no ambiente, além de nossas respirações, é da chuva que chicoteia a janela com ferocidade; ela começara há quase uma hora, e está mais forte do que nunca, como se o céu quisesse engolir o mundo. Pensando bem, essa não seria uma ideia muito ruim considerando a situação em que estamos presos.
Maia está quieta e calada, nós não conversamos desde que respondi à sua pergunta. Talvez esteja tão aflita quanto estou. Ela se sentara em uma cadeira em frente à janela, e se mantém na mesma posição há tempos, abraçando suas pernas e observando o céu desabar em água através do pedaço de vidro na parede.
Só me resta observá-la.
Seu corpo é pequeno e magro, embora ela não seja tão baixa; seus cabelos são longos até a altura do quadril, e encaracolados como a casca de caracóis. Maia parece tão serena e agitada ao mesmo tempo, tão parada ali de frente para a janela, que me incomoda. Eu deveria aproveitar e tirar um cochilo, tentar descansar, porque estou completamente exausto desse dia, mas não consigo.
É impossível dormir com tudo isso acontecendo.
Encaro o teto e fecho os olhos. Deslizo os dedos por meus lisos fios castanhos e acaricio meu couro cabeludo, tentando amenizar minha dor de cabeça que se tornou uma junção de tudo — estresse, cansaço, muitas horas seguidas sem dormir e ansiedade.
Tento focar na situação atual para não pensar em qualquer outra coisa, mas não dá muito certo. Forço meus pensamentos a formularem um plano, uma forma de sair daqui nesse momento e chegar ao meu escritório à salvo, e até cogito a ideia de sair pela janela, mas como é o quarto andar do edifício, as chances de êxito são quase nulas. Eu morreria na melhor das hipóteses e quebraria muitos ossos na pior delas — se eu quebrar minha mão, por exemplo, seria o fim da minha carreira.
Ouço o som de cadeira se arrastar e logo fico em alerta, mas me acalmo a me certificar que fora apenas Maia se levantando. Agora, ela se aproxima da janela e fica bem perto dela.
Quase inaudível, consigo escutar sua voz meio rouca ressoar:
— Gosto de observar o céu no meio de uma tempestade — confessa, ficando muda por um tempo; tempo que eu me levanto e começo a me aproximar dela. — É bonito, não é?
— Por quê? — indago, curioso, parando ao seu lado.
Observo junto, e noto que faz um bom tempo desde que me dei o luxo de observar o céu.
— Tempestades são poéticas, doutor. Não acha? — Maia murmura, ainda com os olhos vidrados na chuva. — Elas berram e rugem, choram e lamentam, destroem algumas coisas e salvam outras. Mas no fim, é só isso. São passageiras, como qualquer outra coisa na vida. — Explica seu ponto, que particularmente, considero peculiar. — Acontecem. Marcam. E, puf! Somem.
Não respondo por simplesmente não ter o que dizer.
— Quais são as chances de sobrevivermos e ficarmos intactos se pularmos essa janela? — ela questiona, e eu solto uma risadinha baixa, pois pensei exatamente isso minutos atrás. Seus olhos vêm em minha direção, enquanto ela coloca um cacho marrom detrás da orelha. — Cinquenta por cento?
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Código Prateado [COMPLETO]
Short StoryTheodore Kang é um renomado neurocirurgião do Oswaldo Cruz, o melhor hospital da grande São Paulo, que se encontra em código o prateado. Após fracassar em mais uma cirurgia, Theo vê-se em um apagão no fim de seu turno e no meio disso conhece Maia, a...