VINTE E DOIS

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Durante a noite, sonhei com uma pessoa. Um homem, para ser específica. Pensei que fosse meu pai. Mas o cheiro de pólvora que emanava de seu corpo não condizia com ele. Meu pai não participou da guerra. Não morreu na guerra. E não tinha pólvora na nossa pequena casinha.

De fato, não era meu pai. Antes mesmo de eu tentar ver seu rosto sob a escuridão noturna, o homem sumiu sem deixar rastros.

Na manhã seguinte, o som de coisas sendo remexidas me desperta num pulo. As lembranças vêm como flashes, e penso que são os sentinelas vindo me pegar. Ou Cal, ou até mesmo o sanguinário Ptolemus. Mas não encontro nenhum deles. Apenas as minhas criadas estão aqui. Reviram meu armário, apressadas, juntando todas as peças de roupa ao mesmo tempo.

— O que está acontecendo? — Pergunto, me sentando na beira da cama.

O som da minha voz faz com que as garotas fiquem congeladas no lugar. Elas me reverenciam ao mesmo tempo, as mãos cheias de tecidos brilhantes e coloridos. Quando me aproximo, percebo diversas malas de couro no chão.

— Vamos sair?

— Ordens, minha senhora — uma delas responde, me surpreendendo. Elas não são totalmente mudas, afinal. — Só sabemos o que nos disseram.

Óbvio que elas não saberiam se fosse algo importante. São apenas criadas.

Tudo bem, então. Irei me trocar.

Penso que seria rápida os bastante para me vestir sozinha. Mas os protocolos são rigorosos e devem ser seguidos à risca. Por isso, não reclamo quando as criadas se submetem a me vestir. Depois do árduo processo de pintura de pele, elas me vestem com uma estranha calça justíssima e uma camisa listrada. Estas peças são horríveis, porém, as únicas disponíveis agora.

Me sinto nua sem o meu adorado colete. Mas isso não chega nem perto da preocupação que assola meu peito quando não encontro Lucas em lugar nenhum.

— Lucas? — O chamo pela segunda vez. E pela segunda vez, apenas o eco da minha voz serpenteia pelos corredores vazios.

Suspiro e, à passos largos, me dirijo à aula de protocolo. No entanto, o magnetron ainda não aparece. Uma pontada gelada de medo me atinge em cheio, o que me faz pensar apenas no pior. Julian usou seu poder sobre Lucas. O fez esquecer de tudo o que ocorreu ontem à noite. Mas as probabilidades de algo ter vazado, mesmo que sem querer, são enormes. Ele pode estar sendo torturado neste momento. Castigado por algo que nem se lembra ter feito.

Mas não tenho tempo de me lamentar. A figura serena de Maven aparece diante dos meus olhos. Ele sorri de admiração, e minhas pernas bambeiam.

— É cedo, principalmente para quem foi dormir tão tarde.

Empino o nariz, fingindo inocência.

— Não faço a menor ideia do que quer dizer.

— Os prisioneiros fugiram. Todos os quatro desapareceram do nada.

Levo a mão ao peito, fingindo estar chocada com a notícia inesperada.

— Pelas minhas cores, Maven! Isso parece impossível, principalmente nessas circunstâncias.

— De fato, parece — apesar do sorriso, uma sombra transpassa pelos olhos azuis de Maven. — Claro, isso desperta desconfiança: as faltas de energia, a falha no sistema de segurança, isso sem falar da tropa de sentinelas com parte da memória em branco.

Seu olhar endurece de tal maneira que meu corpo fica rijo num instante. Deixo com que ele me veja assim.

— Eles foram interrogados, não foram? — Lucas...

A Mais Forte (What If...?/AU) [CONCLUÍDO]Onde histórias criam vida. Descubra agora