Capítulo 1

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O coelho humano me ofereceu duas pílulas:
Uma vermelha e uma azul.

Não sei o que elas fazem, nem do que são feitas, muito menos se são realmente dessas cores. E se eu for daltônica, não saber, e pegar a errada?

  Já escolhi entre laranja e roxo, rosa e verde, amarelo e turquesa, mais de uma vez cada, acertei todas. Só que essa combinação é a primeira vez.

  A vermelha é do mesmo tom do sangue nos dentes dele, então assumo que vejo as cores certas. Porque sangue é vermelho. Rosas são vermelhas.

  Não eram antes, mas agora são, afinal, acabaram de pinta-las. Então as rosas não são vermelhas. Elas estão vermelhas.

  Só que essa cor de rosa ao menos existe, ao contrário das azuis. Não existem flores tão azuis quanto os olhos amáveis da criatura na minha frente.

  Por essa lógica, as vermelhas, que são reais, vão me fazer voltar até a realidade, certo? Faz sentido. Agora está óbvio qual vou escolher.

  — A azul, por favor. — Pedi.

e ele prontamente abriu minha boca até quase rasgar os cantos dos meus lábios, e jogou o remédio diretamente na garganta.

  Ele desceu rasgando, como se estivesse expandindo e explodido quando bateu no estômago, nenhum outro fez isso.

  Vi estrelas, e o quarto escuro, preto e que parecia infinito, se transformou no que parecia uma noite iluminada, onde a lua sorria para mim, então a cumprimentei:

  — Bom noite, e bom trabalho! — Disse, sorrindo.

  A antipática não demorou a se inverter, fazendo uma boca mal-humorada.

  O que tô fazendo aqui mesmo?

  Não consegui aproveitar muito a sensação de confusão até os guardas da princesa virem me buscar.

  Não, não, não esqueça o objetivo.

Fiz uma escolha, sabia que aconteceria. E ter dois homens nobres de sangue verde carregando lanças e me levando a força até uma cela, não deveria ser surpreendente.

  Só mais uma vez, e acabou. Essa é a última.

  Me atiraram na prisão de marshmallow para pessoas com problemas psiquiátricos, o exato mesmo local de sempre, para onde todos que vão contra a monarquia vem. Tudo é macio e fofinho, nem um pouco perigoso.

  Décima segunda vez, é a décima segunda, não posso me perder. É a DÉCIMA SEGUNDA, NÃO SE PERCA.

  Os dias são marcados por pequenas pilhas de marshmallows arrancados das paredes, há sessenta e seis delas. Isso nos dias reais, contados pelo meu relógio. O tempo daqui passa mais devagar, 24h seriam equivalente a 1/3 de dia, mais ou menos, uso como base o alarme que avisa o horário de todos voltarem para suas casas, pode ser ouvido de qualquer lugar da capital. É quando o verdadeiro terror vem.

  Olho para as barras de alcaçuz e leio  novamente a placa com a mensagem presunçosa escrita em letras cursivas e cor-de-rosas, a caligrafia da Princesa.

  "Bon apetit!"

  É esse o desafio, comer as grossas paredes e tentar sair. Se arrancar, eles consertam. Precisa engolir.

  — Morra de fome, diabetes ou velhice, a escolha é sua! Porque, se ainda não percebeu, este país é baseado em liberdade de escolha e justiça. — O guarda 1 me falou, antes de sair.

  Não conheço muito sobre as regras, porém suponho que, pelas minhas experiências, somente os números 1, 2 e 3 possam ser guardas de alto escalão. O resto é ralé.

Só não posso esquecer do objetivo.

  Mexi no meu sutiã e de lá tirei o frasco de Pílulas Amargas que foram dadas a mim na terceira vez. Lembro com clareza de como as consegui: roubei o cantil de aguardente de um dos guardas, e dei ele para o coelho enquanto estávamos sozinhos durante a escolha das pílulas. No único lugar além das celas que não é vigiado: a Caixa Escura.

  Não consegui fazer com que tirasse a máscara, que fazia parte do meu plano, usar sua identidade como suborno. Então dormimos juntos, e isso já foi o suficiente para convence-lo a me dar o frasco em troca de segredo absoluto, de jeito que ninguém saíba sobre a criança no meu ventre, muito menos que é sua.

  Tomei uma das pílulas pretas, imediatamente meu cérebro ardeu, congelou por um segundo, me dobrei de dor, segurando a cabeça e a vontade de gritar preces incompreensíveis, para deuses que não acredito mais.

  É a última vez, a última, a última, a última, calma, é a última, a última...

  Até voltar com tudo, todas as memórias que quase deixo escaparem nesse tempo que passei aqui.

  "Meu nome é Elisa, tenho 21 anos, faço 22 em três meses, uma mãe e um irmãozinho me esperando, um filho  dentro de mim, e um objetivo. Essa sou eu", repasso. Existem pessoas que dependem de mim, não posso ficar muito mais tempo.

  Tirei as pilhas de marshmallow e a parede falsa que construí na frente do buraco que andei cavando durante todo esse tempo, sendo pega de propósito por outras coisas, fazendo meu corpo ser reiniciado pelos remédios, arriscando escolher a errada para evitar a morte.

  Acariciei minha barriga, esperando sentir um chute ou algum sinal de vida, mas nunca vem nada. Esse é o mais apavorante, não saber se os remédios prejudicam o bebê, ou se é muito novo para se mexer.

  Ele pode estar morto, e eu não saber...

  Não, não, não, não, isso é impossível, eu sinto que tá tudo bem, vamos juntos, cumprir o objetivo e sair daqui.

Respirei fundo, comecei a comer os marshmallows que faltavam.

  Essa é a última vez.

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⏰ Última atualização: Feb 09 ⏰

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