Entrei na biblioteca escondendo minhas mãos no bolso do moletom. Era estritamente proibido consumir qualquer alimento ali, mas se eu quisesse permanecer acordada na segunda aula de reforço de física, era melhor mascar todos os chicletes que havia comprado na cantina. Me encolhi toda como se Solange, a bibliotecária, soubesse o que eu estava escondendo. Ela me olhou por cima dos óculos e não demonstrou saber da embalagem que eu apertava.Joguei minha mochila no chão ao lado da pequena mesa. Era maior que a individual que os alunos usavam nas salas e acomodava quatro pessoas. Tiago estava sentado, me observando com atenção, um livro de física já aberto e os lábios curvados em um sorriso costumeiro.
Fazia frio, ainda mais sob o ar condicionado da biblioteca, e ele vestia um moletom do mesmo modelo simples que o meu, mas verde escuro. Sentei na cadeira à sua frente e tirei todos os materiais que precisaria da mochila.
— Boa tarde — ele me cumprimentou, educado como sempre.
— Oi — devolvi, meio sem jeito e sem saber porquê. Pigarreei e tirei a mão do bolso, estendendo uma embalagem colorida para ele. — Quer um chiclete? É de cereja.
Tiago assentiu e eu passei uma embalagem individual para ele, com cuidado para que a bibliotecária não flagrasse nada. Enfiei um chiclete na boca e voltei a embalagem para o bolso do meu moletom azul claro. Aquele sempre seria o melhor sabor de chiclete e ponto final.
— O que vamos estudar hoje?
Nossa primeira aula, no dia anterior, foi um sucesso inesperado. Eu era péssima, mas Tiago tinha uma paciência e carisma para explicar que me faziam ter vontade de saber a matéria. Nem sabia explicar a satisfação que me preenchia quando ele dizia que eu tinha acertado uma questão, ou seu sorriso quando eu dizia algo que fazia sentido.
Na verdade, não deveria ter havido aula alguma, mas o treino tinha sido cancelado por causa da chuva. Estávamos presos na escola até cinco horas, o horário em que nossas vans passavam. Eu estava estudando sozinha na biblioteca quando ele me encontrou.
E ali estávamos novamente, na mesma mesa, sob as mesmas luzes fortes.
— Circuito elétrico — ele respondeu. Tínhamos revisado ondulatória no dia anterior. Nossa próxima matéria, na sexta-feira, seria cinemática, a parte que eu mais odiava. Fórmulas e mais fórmulas. — Não é tão ruim assim, vai.
— É pior — afirmei, categórica, e ele deu um sorrisinho diante da certeza na minha voz.
A próxima uma hora foi repleta de teorias — que eu grifei com o meu marca-texto mais bonito, na esperança de que isso fixasse o conteúdo na minha mente —, exercícios e correções. Eu tive uma média de 50% de acerto, o que foi uma conquista, considerando meu histórico.
— Você explica muito bem — eu disse quando ele fechou o livro, indicando que nossa aula tinha acabado. Uma parte louca de mim murchou diante da visão. Deviam ser os minutos repassando fórmulas que abalaram minha sanidade.
Tiago ajeitou os óculos, um brilho vívido no olhar. Eu achava assombroso como os olhos dele pareciam ter um sol constantemente explodindo em seu interior.
— Ainda bem, porque é o que eu quero fazer da vida.
Me ajeitei na cadeira, surpresa. Já estava no último chiclete, mas ao menos não tinha cochilado.
— Sério? De física mesmo?
Ele assentiu.
— Não sei ainda pra que nível de ensino, mas é a única coisa que consigo me ver fazendo.
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Peace [Projeto Folklore] | CONCLUÍDA
Historia CortaHabituada a passar seu tempo livre na cozinha reproduzindo e criando receitas, Renata se considera uma garota de sorte. Cercada de amigas de infância que a entendem melhor do que ela mesma o faz e vivendo sob o mesmo teto de uma irmã mais nova diver...