Furacão.

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A coisa mais fascinante existente nesse mundo era a chuva forte que lavava o asfalto quente pelo sol forte do verão. O horizonte parecia opaco e decorado como uma pintura pelas gotas grossas que atravessavam o céu acinzentado.

Havia um forte cheiro de grama molhada misturado com a evaporação da água por conta do chão e sua temperatura elevada. A bicicleta vermelha derrapou e recuperou o equilíbrio enquanto o som afiado da chuva torrencial me tornava inconsciente de qualquer outro som.

Cruzando o labirinto de ruas, lojas fechadas e pessoas com seus guardas-chuva coloridos naquela imensidão desprovida de cores vibrantes, rasguei meu caminho pela água corrente no asfalto acidentado. A capa de chuva que usava era tão negra quanto os pneus da bicicleta, encharcada por dentro e por fora, apenas a mochila de couro estava seca em seu interior.

Com meu all star azul, forcei a bicicleta a parar, os freios não responderam ao serem puxados. Os fios molhados de meu cabelo azulado e curto atrapalhavam minha já limitada e embaçada visão pelos cílios pesados. Segui meu caminho pela estrada vazia ao lado do meu "veículo", a chuva parecia uma nova benção vinda de um criador cuja fé não me agrada.

Não haviam mais casas, calçadas ou pessoas. Era apenas eu e a chuva. Lembrei-me do papel no bolso dos meus jeans azuis, uma pena, era tarde para ler. Meu coração batia firme e calmo como se os pequenos relâmpagos não o afogasse em medo, pavor ou coisa do tipo. As nuvens, antes apenas um lençol cinzento pelo céu de verão, agora eram grandes edredons negros que escondiam a luminosidade, como um convite das trevas e as lágrimas de Deus.

Parei a beira de uma curva perigosa, larguei a bicicleta ouvindo o som do ferro úmido contra o chão. Fechei os olhos abrindo os braços, o vento bateu extremamente forte em meu corpo forçando o capuz a revelar meu rosto. A sensação de liberdade era avassaladora, atrativa. O abismo se encontrava ali, em minha frente, a dois passos de distância.

A pulseira presa em meu braço era uma constante lembrança de que haviam pessoas me esperando, mas a chuva me chamava com sua voz cheia de um cheiro estranhamente familiar e uma sensação finita de libertação. O tufão desceu ao chão no horizonte, a centenas de metros de distância de mim. As rochas voaram e celeiros foram arrastados como castelos de areia durante uma tsunami.

O vento era tão potente e afiado, as gotas se tornavam pequenas facas que rasgavam graciosamente meu rosto. A sirene da cidade soou, distante e esganiçada, alertando os inseguros de que ali estava o inevitável. Abri os olhos tão azuis quando safiras, o Sol se punha atrás do furacão, a destruição se tornava uma dádiva de criação e a morte parecia mais libertadora que qualquer oportunidade de escolha nesta vida completamente fora do aceitável.

No fim, consegui tudo o que queria. O furacão se aproximava, destruidor, inevitável, implacável. Não temi, nunca temi a natureza pois qualquer oportunidade de vingança vinda dela é justa e bem-vinda. Senti os ventos esmagadores em meus braços esguios e então tudo ficou reiniciou. Pude ouvir o cantar dos pássaros, a grama macia e o sol gentil em minha face. O cheiro de chuva estava impregnando em mim. Enfim, liberdade.

 Eu me tornei a Chuva Torrencial.

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