Capítulo 1 - Alçapão

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Essa história se passa no mesmo mundo do conto "Lucifer Smeraldina" e seus eventos são simultaneos a aventuras vividas nela.

Felipe Caprini
Búfalo Sandara

Capítulo I
"Alçapão"

O candomblé é uma religião linda, é afro brasileira, ou seja é de raiz Africana mas com influências da nova terra. O candomblé tem uma particularidade, seus templos são integrados por famílias, sim, pessoas não ligadas por sangue se tornam irmãos, filhos, afilhados, pais e mães, uma comunidade ligada pela fé e pela afeição.
É por isso que aquela cena foi tão dolorosa.

☆I
29 de Março de 2008
A cesta acoplada na dianteira da bicicleta estava tão cheia que era difícil manter o controle do guidão que tremia sob os punhos de Edmundo como se ele mesmo estivesse com medo. Ele ia pelando devagar, o saco de farinha de mandioca devia ter uns dez quilos pelo menos, para melhorar ainda mais a pequena Meli sentada na parte de trás dava-lhe soquinhos nas costas.
- Lapido! Lapido molenga!
- Eu to indo o mais rápido que dá! - Edmundo ralhou com ela.
Meli era uma graça, todo sábado tinha terapia no centro comunitário, por ser portadora de síndrome de down era necessário ter sempre o acompanhamento médico.
- A comida vá acaba! - Meli gritou dando mais socos leves nas costas do irmão de criação.
- Não vai acabar nada Meli, a festa nem começou, o *ajeun* é só no final, deixe de ser esfomeada, não lanchou lá na terapia?
- Mãe mando só cosa ruim na lanchela. - Meli resmungou lembrando da maçã, do iogurte e do pão de forma com queijo branco, para ela aquilo era praticamente um castigo pois preferia coisas com muito açúcar.
- Sabe que a mãe quer que você emagreça, foi ordem médica.
- Medicus bobos... - Meli resmungou.

Edmundo estava irritado, era membro de um terreiro pequeno em membros mas que era o maior da cidade de Monte D'avila em questão de fama, nunca havia se atrasado para um *xirê*, então Sandara o mandou ir buscar Meli e depois ir comprar uma saca de farinha de mandioca.
- Porquê eu? - Ele murmurou sozinho totalmente contrariado - Porque nunca consigo dizer não a Sandara?
- Poque vochê é paxonado pu ele! - Meli deu uma gargalhada.
- Ora cale essa boca sua intrometida!
Mas era verdade, Sandara era *Orukó* de Vicente, e puxa vida como ele era bonito. Para ser franco talvez não fosse tão bonito aos olhos dos outros mas para quele tapazola o corpo e o rosto de Sandara eram em beleza e perfeição equiparados aos de *Idris Elba*. Edmundo sendo só um rapaz que mal havia alcançado a maioridade tinha lá certo receio em se declarar aquele homem, Sandara naquele ano estava nos dias de comemorar seu quadragésimo primeiro aniversário, sim, quarenta e um anos e ainda era tão belo que nem parecia gente comum, não parecia envelhecer.
Viraram a esquina e então viram as mais de dez viaturas policiais paradas diante da casa.
- Policha? - Meli notou e logo segurou na cintura do irmão com força.
Para as pessoas brancas ver uma viatura de Polícia pode não ser nada demais, mas para o homem de pele preta aquela visão pode significar que coisa muito ruins vem pela frente, os policiais costumavam parar todos os homens daquela casa quando os viam na rua, todo homem preto era um traficante, ladrão ou estuprador em potencial na mente suja daqueles desgraçados de farda, era perigo pois até mesmo os que jamais cometeram qualquer delito podiam ser falsamente incriminados.
Os dois desceram da bicicleta.
- Fique comportada Meli. - Ele sussurrou para irmã enquanto iam caminhando devagar até a casa. Não havia como evitar, ele parou a bicicleta ao lado de um policial.
- Hum...Por favor, senhor?
- Sai daqui neguinho, tu não tem nada que ver aqui. - O Policial o olhou feio.
- Mas... mas eu moro ai, senhor, é a casa da minha família.
- Mora? Você... espere ai, entre aqui no carro.
Ah, entregar em uma viatura com certeza não é boa idéia, Edmundo sentiu o corpo gelar e deu um passo para trás.
- Tudo bem, não precisa entrar, mas temos de conversar. Me de os documentos. - o policial parecia ter mudado o tom para algo mais gentil, o que com certeza não era bom sinal.

Búfalo Sandara Onde histórias criam vida. Descubra agora