Tudo que a memória amou já ficou eterno. Isto é um fato claro e consumado até para a limitada poesia dos humanos, mesmo que os seus criadores insistam em fingir o contrário. Sua débil e efêmera mentalidade persiste em esquecer, superar, desaprender, abandonar e mesmo omitir suas memórias. Humanos tendem à desprezar o passado e a menosprezar suas lições de modo a construir uma blindagem de cegueira cômoda ao redor de si mesmos, na esperança de driblar consequências que há muito já lhe eram, permanentemente, adereçadas.
Para nós demônios memórias são algo muito maior, muito mais poderoso e fascinante. Com elas alimentamos nossas almas e mantemos sadias nossas mentes imortais. São as lembranças, nossas ou de outrem, o pano de fundo onde nascem nossos planos, vivem os nossos motivos e germinam nossos propósitos; seus sabores nos causam epifanias, seus conteúdos nos fazem meditar e decidir antes de bater o martelo da justiça torpe que brandimos.
Aqui depois deste portal reunimos um amálgama realmente grande de memórias. Memórias de homens grandes e memórias de homens menores, memórias de hoje , de ontem e de outros tempos, de inúmeros lugares e de povos distintos. Memórias humanas, memórias do mundo... memórias da terra.
Sigam-me. Cuidado para não sujarem os pés na terra... ela tem fome.
A primeira história aqui nessa alameda nós costuramos com lembranças dos vivos e dos mortos. É engraçado, muitos dos humanos por aí que se dizem vivos não passam de ambulantes cadáveres de olhos abertos, ao passo que muitos dos mortos que encontrei vagando sobre a terra encontram-se ainda muito vivos.
Interessante, não?
A colcha de retalhos que verão estender-se agora perante os seus olhos talvez seja um dos bons exemplos que preparamos ao longo do caminho...
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Sangue de Índio
Short StoryNão se pode querer o retorno de uma seta atirada, nem se pode voltar atrás depois de as palavras serem ditas. A terra tem fome. Fome de vingança.