Capítulo II
"Ajawofon"☆I
Janeiro de 2002Monte D'avila era uma pequena cidade mais conhecida por ser a maior fornecedora de hortaliças para a capital de São Paulo, alguns paulistanos metidos a besta gostavam de chamar os avileses de "saladeiros", coisa que no geral irritava muito aquela boa gente.
Ser tratado como caipira ou como interiorano não tinha o menor sentido, Monte D'avila se localiza a meros vinte minutos da capital, inclusive era possivel ir a pé se a pessoa tivesse disposição e coragem de atravessar a rodovia Fernão Dias, coisa que não aconselho pois é demasiado perigoso.
Quase não havia asfalto, era um lugar realmente legado ao nada além do serviço braçal, o centro da cidade se resumia a dois quarteirões com lojas, mercado, correios, uma Central de caixas eletrônicos, hospital e delegacia, nem bombeiro aquele município tinha, se acaso houvesse fogo, que Deus o livre, era necessária passar um telefonema a capital e esperar os bombeiros de virem de lá, mas ainda assim com toda a dificuldade era e ainda é um bom lugar.
Em uma tarde quente de Janeiro, Edmundo na altura de seus doze anos de idade estava sentado na calçada em frente ao terreiro chupando um daqueles picolés caseiros de chocolate que Mãe Enobária fazia. Ao seu lado estavam a minúscula Meli com quatro ou cinco anos de idade e Jacqueline com quinze, os três olhando aqueles moleques paulistanos odiotas andando de bicicleta na rua.
Era assim, em janeiro o lugar ficava cheia de crianças da capital que vinham para Monte D'avila no veraneio e ficavam pelas ruas de nariz empinado desdenhando do povo local.
— Eu queria muito ter uma bicicleta... — Edmundo lançou um olhar cumprido para aquelas rodas de aro colorido pilotada por um dos riquinhos.
— Para quê? Para ficar todo suado? olha para eles, meninos imundos, aposto que estão fedendo. — Jacqueline criticou.
— Meli tumem qué bici... bici... bocitletla.
Os dois olharam para a pequena com cara de bolacha e riram.
— Vamos Meli, vou hidratar o meu cabelo, o seu também está precisando, vamos pro banheiro. — Jacqueline se levantou batendo a poeira do vestido com as mãos.
— Baboooosa. — Meli gritou e saiu correndo atrás da irmã.Jacqueline era assim, a vaidade em pessoa, uns marotos da cidade até a haviam apeliado dondoquinha por essa qualidade. Edmundo continuou lá, mordendo o pálido do picolé já devorado e mirando os moleques cheio de inveja. "Ah se eu fosse rico como eles..."
Do nada sentiu uma mão quente pousar em seu ombro.— Está calor aqui, porque não entra?
Edmundo olhou para o lado, lá estava ele, Sandara, aquele queixo quadrado, a pele negra da cor de pó de café. É, era engraçado como a mente infantil fazia associações bobas mas Edmundo sempre associava a propria cor como de nescau e a de Sandara como de pó de café.
— Eu gosto de ficar vendo eles pedalando. — apontou com o nariz a molecada logo a diante.
— Eles? — Sandara olhou para os moleques, garotos brancos em suas bicicletas de vinte e sete marchas e freios a disco, riquinhos, gorduchos mimados — Você sabe andar de bicicleta Ed?
— Não... nunca tive uma bicicleta.
— Mas nem tentou andar na de um amigo ou coisa assim?
— Não, quando Sandrinho da rua de trás me oferece pra andar na dele eu digo que não gosto, tenho vergonha de dizer que não sei andar em uma.
— Mas não é vergonha nenhuma não saber de uma coisa.
— Mas é chato quando riem da nossa cara por conta disso.
— Hum... vem, vamos entrar, o sol forte vai te dar dor de cabeça, você pode ficar com meu picolé, eu não quero.Dias depois na manhã de uma quinta feira quente de verão Edmundo foi acorado por Toni, outro de seus irmãos, este não era tão simpático quanto Jacqueline mas pelo fato dos dois dormirem na mesma beliche sempre sabiam muito um sobre o outro.
— Acorda Ed, acorda! Eu fui no banheiro agora pouco e vi uma coisa lá no quintal quando olhei pelo vitrô, você tem de ver! Eu acho que é seu presente de aniversário!
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Búfalo Sandara
FantasyUma chacina em um terreiro de Candomblé desperta o desejo de vingança de um dos sobreviventes que ruma a uma aventura sobrenatural atravessando os nove Orun's, o mundo dos Orixás. Será que a linha tênue entre amor e ódio pode ser ignorada? Bruxaria...