Quando eu era pequena, minha mãe me perguntou o que eu queria fazer quando crescesse, e eu disse que queria ser capitã de um navio, que nem meu pai ─ era óbvio que a Haseul de três anos e meio de idade não fazia ideia do que exatamente significava ser capitã de um navio, mas, nas peças teatrais e nos livros de contos de fadas, a ideia de controlar rotas e uma tripulação de marujos me parecia algo mágico, fascinante e prazeroso. Como a sociedade do século XIX esperava, mamãe me disse que as apenas papai e meus irmãos conseguiam cumprir com as obrigações exigidas de um capitão, mas também me disse que talvez eu pudesse acompanhá-los em suas viagens como uma convidada de honra, podendo passear pelo barco, tomar chá num quarto particular e observar os azuis do céu e do mar o dia inteiro, sem nenhuma preocupação. A princípio, a ideia da minha mãe não me foi tão ruim, porém fiquei triste por saber que eu não ia realizar aquela vontade, o que "me foi compensado" mais tarde com algumas bonecas francesas, as quais, segundo minhas tias e tios, eram o sonho de toda donzela.
No meu aniversário de doze anos, me presentearam com saltinhos, perfumes florais, jóias brilhantes e vestidos cheios de rendas e fitas; nada muito diferente do que eu ganhava todos os anos, exceto pelos brinquedos. Levaram do meu quarto as bonecas (minhas únicas companhias) e da minha estante os livros dos quais eu tanto gostava ─ eu não tinha mais meus mapas de reinos antigos, minhas histórias de marinheiros e nem meus poemas sobre o descobrimento das Américas, e minha revolta acabou fazendo com que eu roubasse umas enciclopédias do escritório de papai, as quais passei a ler toda madrugada em meu quarto enquanto a casa inteira estava a dormir. Obviamente, meu pai sentiu falta de algumas coisas na prateleira e mamãe acabou por achar os livros debaixo da minha cama, e, mesmo com ela dizendo ter entendido minha raiva por ser privada da minha única forma de diversão, ela me disse que as coisas seriam daquele jeito dali para a frente e me pediu para não roubar os livros de papai outra vez.
Nos anos seguintes, algumas coisas mudaram para mim, e, exatamente como previ que aconteceria, sentia o mapa da minha vida ser cada vez mais rabiscado com trajetos feitos pelas mãos de muitas pessoas, mas nunca pelas minhas próprias. A ausência das bonecas era compensada no espartilho apertado em volta da minha cintura, nas bochechas rosadas e nos penteados que faziam minha cabeça doer ─ você deve estar sempre nos trinques, ou os rapazes não irão olhar para você, dizia mamãe, porém eu não estava interessada em rapazes, apenas nas milhares de coisas que eles podiam fazer e eu não.
Ah, vida injusta.
Era difícil esconder meu entusiasmo ao ouvir os amigos do trabalho de papai falando sobre os navios em fabricação, e pior ainda era não poder nem ao menos demonstrar interesse naquele assunto, já que não era assunto para uma dama. Meu coração acelerava toda vez que eu via um barco qualquer saindo do porto, e, para o meu azar, minha mãe sempre percebia quando isso acontecia e me lançava olhares fulizantes que faziam eu querer desaparecer da face da Terra ─ eu sempre tentava me afastar das coisas que me lembravam essa minha paixão para convencer as pessoas de que eu já tinha superado tudo isso, mas, lá no fundo, o meu doce sonho infantil ainda se mantinha firme e forte no meu coração.
Quando fiz dezessete anos, papai levou a mim e a mamãe ao porto para nós vermos o novo barco da empresa para a qual trabalhava. Era grande, feito de madeira (tingida de preto e branco), com velas gigantescas e detalhes dourados, mais majestoso do que todas as embarcações que eu já vi. Minha mãe estava evidentemente muito menos fascinada do que eu e olhava para meu pai como se quisesse jogá-lo do convés embaixo, e só compreendi seu desgosto quando papai mostrou-me o nome do barco: Haseul. Realmente, o que aconteceu após este episódio não foi agradável: passei o resto do dia falando com papai sobre barcos e viagens marítimas até mamãe me puxar para os meus aposentos e me dizer algumas coisas que não gostei de ouvir, dentre elas um não se iluda com o seu nome no barco, você não o pilotaria nem se soubesse.
Aquelas palavras me fizeram acordar de um longo transe no qual estive parcialmente submersa durante a minha vida. Será mesmo que eu não poderia pilotar um barco se eu soubesse? Será mesmo que eu estava destinada a ser só mais uma bonequinha de porcelana feita para enfeitar a sociedade? Será mesmo que eu não mereço mais do que uma casa para limpar, um marido para cuidar e alguns filhos para criar?
Você é mais do que isso, Haseul.
Nos dias seguintes, eu comecei a frequentar o Haseul antes de sua primeira viagem. Pedia para acompanhar papai e o fazia perguntas insistentemente sobre o belo veículo aquático até ele me levar para velejar nos últimos testes daquele barco. Foi a primeira vez em que entrei numa embarcação, e, depois de manobrá-la de todas as formas possíveis naquele momento, decidi que iria fazer aquilo sempre que pudesse, quer as pessoas gostassem, quer não.
E que bom que sempre fui uma mulher de palavra.
Na primeira viagem do Haseul, eu fui acompanhar papai, e tudo seguiu conforme mamãe disse que seria quando eu tinha três anos e meio: passeava pelo barco, tomava chá num quarto particular e observava os azuis do céu e do mar pelo tempo que eu quisesse, além de poder, de vez em quando, entrar na cabine do meu progenitor para ajudá-lo. Todavia, finalizada a terceira viagem, papai faleceu, e, para a surpresa da família, ele declarou em seu testamento que me queria no comando do navio. É claro que mamãe não lidou muito bem com isso ─ constantemente eu a escutava se lamentando para as paredes de seu quarto, perguntando a Deus se eu era forte o bastante para a responsabilidade que me foi atribuída ─, mas, depois de longas conversas sobre o que eu faria com a minha vida, nós nos acertamos e agora ela constantemente é a minha convidada de honra nas viagens do Haseul, pois, assim, não ficamos distantes e ela tem a possibilidade de ver todas as maravilhas que sua filha consegue fazer.
Sabe, eu gosto de pensar que, se eu não tivesse vivido com tantas limitações, eu não haveria chegado onde eu consegui chegar. Eu não teria o controle de uma tripulação sem uma mãe tradicional para me desafiar, eu não seria uma ótima navegante sem um pai caloroso para me ensinar a velejar e eu não me tornaria a Haseul realizada que eu sou sem a Haseul sonhadora de três anos e meio. Sou feliz hoje por ser eu mesma, e se tem algo que faz eu querer ser mais "eu mesma" todos os dias é saber que, enquanto eu viver, sempre haverá um oceano cheio de possibilidades para mim e para todas as capitãs que me sucederem.
Agora mesmo, fazendo todas estas reflexões, o Sol se põe ao norte e eu me recosto na ponta da proa, contemplando a paisagem. Acho que, se eu não tivesse me tornado uma capitã, eu nunca teria a chance de me deparar com esses milagres que a natureza fornece de vez em quando, e agradeço a Deus por eles e por ter me feito suficientemente ousada e corajosa para eu contrariar mundos e fundos e transformar a minha fantasia de criança na minha encantadora realidade, mesmo que muitos ainda me olhem torto por aí.
Eu costumo acreditar que as pessoas têm milhares de vidas até concluírem suas missões neste planeta. De acordo com o quão contente e satisfeita estou nesta vida, julgo que não terei mais nenhuma, mas tenho certeza de que, caso eu ganhe alguma(s) de brinde, eu desejarei ser e serei a mesma coisa em todas elas: capitã de navio.
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Bom dia, marujos! Tudo bom?
Essa oneshot deveria ter sido postada ontem, mas, por motivos de pressa e de estresse com umas coisas da escola, acabei jogando tudo pro alto e só vim finalizar a história agora, risos.
Enfim, eu espero que vocês tenham gostado da capitã Haseul do Haseul e feliz aniversário (um pouco atrasado) para essa mulher incrível ─ inclusive, tô com muita saudade dela e espero que ela esteja bem.
Beijo e até a próxima!
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━━ CAPTAIN. loona
Fanfiction❛ Você é melhor do que isso, Haseul. ❜ ⛵️️ ▎𝐇𝐀𝐒𝐄𝐔𝐋 oneshot ╴18.08.20 happy birthday, haseul! © SEUNGSW4N