Adrenalina

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Foi a primeira vez que não acordei atrasada. E foi também a primeira vez que não dormi a noite inteira, com o nervosismo corroendo meu interior e não dando descanso a minha cabeça.

Levantei da cama para lavar meu rosto, o arredor de meus olhos escurecidos, mas os olhos em si bem abertos. A cada passo que eu dava – sair do banheiro, vasculhar o guarda-roupa para me vestir, recolher meus livros, descer as escadas do meu quarto – eu sentia a ansiedade crescer e me sentia cada vez mais desperta.

Quando passei pela porta da padaria e segui rumo ao colégio, eu senti algo prestes a explodir dentro de mim. Apressei o passo só pra acabar logo com meu sofrimento e fazer minha mente aceitar de uma vez por todas a nota terrível que eu tiraria hoje em matemática.

Subindo as escadas do colégio, avistei Alya, que me olhou de volta, totalmente surpresa.

– Você... Chegou cedo???

– Bom dia, Alya, estou ótima, não dormi nada e nem me fale sobre prova. – revirei os olhos.

– Hm... Pelo visto temos uma pessoa desesperada aqui. – Alya pôs as mãos na cintura, me olhando com uma sobrancelha levantada.

– Desesperada é pouco. Eu passei dias estudando pra isso e tem coisa que simplesmente não entra na minha cabeça, e agora eu não consigo evitar esse nervoso que tá me matando, porque eu preciso de –

– Calma, Mari, respira... Meu Deus! Vai dar tudo certo. Se não der, a gente dá um jeito depois, só para de se remoer. Vamos. – ela pegou minha mão e nos guiou pelo corredor até a sala.

Sentei no meu lugar, relutante, porque por mim, eu já estaria correndo de volta pra casa ou pra qualquer outro lugar que eu possa me esconder agora mesmo.

Enquanto o professor não chegava, minhas mãos não paravam quieta. Eu apertava o estojo, brincava com a unha, esfregava uma mão na outra, enrolava meu cabelo no dedo, batia com as mãos nas minhas coxas, esfregava meu rosto dramaticamente... Tentava pensar o suficiente nas fórmulas e números, mas as memórias estavam embaralhadas. Talvez o nervoso tivesse feito um estrago ainda maior.

Estava tão concentrada no meu nervosismo, que não percebi que Adrien havia virado para trás e estava me observando esse tempo todo.

– Parece que alguém está prestes a ter um surto. – seu rosto indicava preocupação, suas mãos apoiadas na minha bancada, brincando com meu estojo.

– Se eu fosse você, ligava pra ambulância agora.

– O que está acontecendo nessa cabecinha aí? – sua voz também transparecia preocupação, ainda que agora tentasse esconder isso por trás de um rosto alegre.

– Ah, Adrien... É só que... Matemática, né? As milhares de fórmulas... Que eu não consegui gravar. – me senti ainda mais acabada por dizer isso em voz alta, minha cabeça indo parar na mesa com minhas mãos acima dela.

– Relaxa, Mari! É provavelmente teu nervosismo te atrapalhando. – ele deu dois leves tapinhas na minha cabeça abaixada, bagunçando meu cabelo. Riu da pequena desordem que fez e tentou arrumar, o que não deu muito certo.

– Bom, ele não ajuda muito, mas eu sei que não é só isso. Estou há dias tentando gravar tudo e não consigo. Algumas fórmulas se embaralham com outras e não consigo desembaralhar... Eu estou bem ferrada. Pra não dizer outra coisa. – tento arrumar meu cabelo enquanto ouço o professor entrar na sala rapidamente e colocar as provas em cima da mesa.

Meu desespero é visível por qualquer pessoa da sala. Sinto meu corpo gelar e provavelmente devo estar pálida como os papéis da prova.

– É, talvez eu deva mesmo ligar pra ambulância. – ainda que ele estivesse brincando, vi em seus olhos que ele poderia realmente ligar a qualquer momento, caso eu tenha um piripaque.

– Por favor, ligue. Só me tire daqui... Ou me ajude a botar fogo naquele envelope.

Adrien não respondeu, apenas me observou, pensativo. E eu sabia que, quando ele ficava assim, coisa boa não saia...

Há um tempo que Adrien descobriu que apostas podem ser muito divertidas. De serem feitas, claro – era esperto o suficiente pra não cair em uma. Ele não perdia uma oportunidade de apostar. Nino era seu alvo mais comum, já que aceitava a maioria.

Mas eu não cogitei que ele seria capaz de pensar nisso...

– Aposto que você não levanta daí, lentamente, vai até a mesa do professor e sai correndo com as provas na mão. – seus olhos brilhavam como duas esmeraldas, a diversão explícita neles.

– Eu sou uma piada pra você, Adrien?

– Talvez... – seu sorriso era como o de uma criança sapeca.

– Você sabe que eu vou pra direção depois disso, né? – ele só pode tá de sacanagem...

– É, mas se você sair correndo com o envelope sem abrir, você só vai pra direção por ter corrido pela escola como uma louca com as provas na mão.

– Uau, essa é exatamente a reputação que eu quero pra mim aqui! – Alya tentava controlar o riso do meu lado – E você pare de rir!

Claro que, com isso, ela riu ainda mais.

– Eu nem disse o que você ganha com isso. – ele debruçou ambos os braços em sua cadeira, pondo a cabeça em cima deles.

– Se não for estabilidade financeira ou saúde mental, não estou interessada.

– Engraçadinha. Você pode pedir o que quiser. – seus dedos inquietos brincavam com o chaveirinho de joaninha em meu estojo. Ele parecia inquieto em si, na verdade.

– Vai me pagar um terapeuta??? – eu precisaria depois dessa prova...

– Podendo pedir qualquer coisa, você vai preferir um terapeuta? Quero dizer, se você quiser, por mim tudo bem. Mas é literalmente qualquer coisa... Topa? – seus olhos expressavam malícia assim como todas as suas feições.

Pensei sobre. Era o último ano do ensino médio. Quase todos já haviam feito algo estúpido e memorável, para marcar seu tempo por aqui. Menos eu, claro, porque ainda tenho noção. Mas talvez, ser lembrada como a pessoa que saiu correndo pela escola com o envelope das provas apenas por fazer, seja divertido. E pensando bem, há uma coisa que queria pedir para Adrien. Só não sabia se teria coragem de pedir.

Voltei a olhar para frente, e Adrien tinha seus olhos fixos em mim. Foi inevitável que eu relembrasse minha cabeça – pela milionésima vez – o quão mais bonito ele estava agora, mais velho. Seu rosto mais maduro, seus olhos mais penetrantes, seu sorriso ainda mais elegante... Temos uma relação melhor agora, como amigos, e me sinto bem pensando nela, mas... Não consigo esconder meus desejos, nem mesmo estando tão nervosa. É bem difícil esconder algo de alguém quando você para e olha fixamente para ele por tanto tempo... Como estou fazendo agora.

Desvio o olhar para minhas mãos, minhas bochechas provavelmente entregando minha vergonha.

Mas quer saber de uma coisa? Cansei. Estou cansada de esconder isso e ser a garota boazinha e meio tímida. Ele quer que eu seja uma garota má? Pois bem.

– Adrien, acho bom mesmo você estar disposto a qualquer coisa. Eu topo. – levantei, contornando seu rosto com meu dedo, um sorriso suficientemente malicioso no meu rosto.

Adrien estava estático. Surpreso. Demorou um pouco até se virar, animado com o que eu iria fazer. Alya não conseguia fechar a boca, assim como Nino.

Parei de observá-los e continuei caminhando até a mesa. O professor já me observava caminhar até ele desde o momento que levantei do meu lugar, com os braços cruzados.

– Posso ir no banheiro? – disfarcei o que estava prestes a fazer, meus dedos próximos ao envelope cinza esverdeado, a adrenalina começando a me dominar.

– Claro. Mas não demore, começarei a prova em cinco – EI!

Não o deixei terminar a frase para agarrar o envelope e sair correndo. Estava agradecida mentalmente por ter um treinamento diário – Ladybug – e por isso ser rápida o suficiente, para que o professor que corria atrás de mim ficasse em uma boa distância.

Minha ideia inicial era dar a volta na escola, passando pela quadra e evitando a biblioteca, pois não queria atrapalhar ninguém. Mas acabei diminuindo minha velocidade para pensar e só percebi que o professor havia se aproximado quando escutei meu nome em um grito estridente e bem perto. Voltei a correr e ignorei a rota, quem se importa, afinal?

Eu sentia vontade de gargalhar e não conseguia evitar rir. Minha velocidade fazia meus cabelos voarem, tudo a minha volta parecia correr comigo. Senti a adrenalina me esquentar, o que me fez arrancar meu blazer da forma mais desajeitada possível, jogando longe. Depois eu volto pra buscar.

Pelo canto dos olhos, vi alguns alunos me observando e rindo, se divertindo com a situação. Parei um pouco para observar o professor atrás de mim, que já se encontrava no seu limite depois de tanto gritar meu nome e correr. Gargalhei alto, não consegui evitar a rodopiada que dei para voltar a correr.

Estava sendo realmente divertido ser uma garota má.

Mudei meu rumo, indo de volta a sala onde ocorreria a prova. O professor ainda tentava me parar e isso só fazia minha barriga doer mais de tanto rir. Logo, estava praticamente na porta da sala, onde fui recebida por um Adrien que gargalhava parado na porta, junto a toda turma tentando ver a situação de dentro da sala.

Eu gargalhava junto e estava indo tão rápido que iria acabar o atropelando, o que me deixou levemente apreensiva. Mas Adrien foi rápido, saiu de seu lugar e me segurou em seus braços.

Foi tudo tão rápido. Eu não conseguia parar de rir, nem Adrien, enquanto ele me rodopiava no ar, em seus braços. Minha cabeça jogada para trás, meus pés fora do chão, meus cabelos voando. O êxtase de estar em seus braços misturado a adrenalina da corrida. Eu nunca me esqueceria disso.

Adrien então me botou no chão, entrando comigo. Coloquei o envelope em cima da mesa, no mesmo lugar, e sentei em minha bancada, como se nada tivesse acontecido.

Logo, o professor entrou, ofegante e puto. Ele suava como um porco e eu, Alya, Nino e Adrien tentávamos não rir, mas Adrien não conseguiu e soltou uma única gargalhada alta. Bati no topo da sua cabeça.

– Disfarça, idiota...

– D-desculpa – a palavra mal saiu de seus lábios, ou ele falava ou prendia a risada.

Eu poderia dizer que toda a turma se encontrava assim, tentando segurar a gargalhada. Um silêncio profundo, vez ou outra quebrado por uma risada que escapava.

Assim que se recuperou, fui fuzilada pelo olhar do professor. Sua raiva estava crescente, e era perceptível pelo tom de vermelho que seu rosto estava tomando.

– Você... Ficou maluca?!?!???

– Eu sinto muito. Já estou indo pra direção, okay? – eu disse, me levantando e indo logo, para evitar qualquer constrangimento.

– Não, mocinha. Se isso foi uma tentativa de não fazer a prova, pois bem, não conseguiu – ele abriu o envelope, com muita raiva por sinal, e começou a entregar as provas. Eu estava em choque – Só vai pisar na direção quando acabar.

Não era minha intenção não fazer a prova, mas sim um medo. Apesar de querer tacar fogo naquilo, eu ainda precisava daquilo. Pensei nisso enquanto corria, que ficaria sem nota se não me deixassem fazer, mas aparentemente a raiva do homem era tanta que nem pensou direito.

Não sou eu que vou contestar sua decisão.

– Ah... – fingi minha melhor cara de decepção enquanto ele colocava a prova na minha frente. Ouvi Adrien rir baixinho.

Então, o milagre aconteceu.

– Bom, eu deveria castigar toda a turma pela... Confusão que Marinette Dupain-Cheng causou, mas a ordem da direção foi colocar as fórmulas da prova no quadro, já que é a última prova e são muitas. – ele parecia envergonhado por ter sido derrotado por uma garota de 17 anos, tentando fingir que não foi nada e que ninguém viu.

Eu estava em choque. Era inacreditável. Meu problema estava... Resolvido??? Ou quase todo, porque ainda faltava eu conseguir fazer as contas, mas meu Deus! Tive que me segurar para não sorrir demais, pois era capaz dele mudar de ideia.

Então, ele se virou para o quadro e começou a anotar as fórmulas. Nisso, Adrien se virou para trás.

– Isso foi a melhor ideia que tive! – ele sorria como se tivesse ganhado na loteria. Ou algo do tipo, já que ele era rico o suficiente pra não jogar na loteria.

– É, vamos ver se foi mesmo quando eu estiver sentadinha na direção...

– Vai dar em nada demais, relaxa. Mas então, o que você quer? – ele parecia ansioso pela minha resposta.

Eu sabia bem o que queria, mas não tinha coragem de pedir. Comecei a ficar nervosa, olhar pra todos os lados menos para ele, tentando disfarçar meu nervosismo.

– Posso te dar algo como bônus até pensar em algo melhor.

– E o que seria? – entrei no seu jogo, apenas para afastar minha ansiedade.

Ele virou para frente, se certificando que o professor estava muito ocupado escrevendo no quadro. Fiquei confusa, mas não tive tempo de perguntar o que ele estava fazendo, pois ele mal se voltou para mim, ficou de pé e se debruçou em minha bancada, aproximando seu rosto o suficiente para que eu entendesse o que ele faria.

Senti seus dedos deslizarem pela minha bochecha, subindo até minha orelha e depois descendo até minha mandíbula. Seu olhar se misturava com o meu, enquanto sua respiração fazia cócegas em minha boca.

– Senti algo incrível enquanto segurava você, ali na porta. E você parecia estar se divertindo bastante. Também sentiu? Queria saber se poderíamos sentir algo ainda melhor.

Minhas tão comuns borboletas rodopiavam em meu estômago. Eu havia sentido. Foi uma sensação de aconchego, de lar. Ao mesmo tempo era arrebatadora como andar em uma montanha russa. Era como voar entre as estrelas, tocar as nuvens e sentir ser tocada de volta.

E eu definitivamente queria sentir de novo, então apenas o beijei.

Enquanto uma de minhas mãos se aconchegou em seu cabelo macio como seda, a outra se acomodou em sua bochecha, quente e viva. Beijá-lo era mais macio que tocar as nuvens. Era mais arrebatador que voar entre as estrelas. Era como ter tais estrelas sendo depositadas suavemente em minha boca, dando pequenos choques a cada uma. Era o lar que me faltava, o aconchego que eu precisava.

Então percebi que sua língua contornando e acariciando a minha era tudo que faltava para me sentir realmente em casa.

Foi um beijo rápido, mesmo que para mim tenha demorado uma eternidade. Quando nos afastamos, sentia sua mão acariciando minha cintura e seus olhos acariciando minha alma. Tentei retribuir esse carinho.

Não consegui evitar me sentir caindo de volta a realidade quando ele soltou minha cintura e voltou-se para frente, me olhando. Quando já estava de costas, não resistiu e virou-se para me olhar novamente.

E então arregalou os olhos e me fez perceber que a sala inteira estava nos assistindo.

– Meu Deus... – eu escondi minha cabeça entre meus braços, a vergonha tomando conta de toda a minha pessoa, enquanto ele ria baixinho e tentava disfarçar também.

Fingi um súbito interesse na prova de matemática.


...


– Eu não acreditoooooo que consegui fazer aquela prova!!! – eu pulava pelas escadas do colégio, animada com a possibilidade de ter uma nota suficiente para passar.

Depois de enfrentar o diretor e explicar tudo – ocultando apenas o nome do dono da aposta, mesmo depois dele praticamente implorar –, pude finalmente ir pra casa e percebi que Alya, Nino e Adrien – com o blazer que eu tinha jogado em qualquer canto em mãos – me esperavam.

– Aham, é claro que você está animada porque conseguiu fazer a prova de matemática. Nem teve um evento antes disso, né? Um evento que você esperou, não sei, talvez por uns 3 ou 4 anos, não é mesmo?

– Vai a merda, Alya – Adrien ria atrás de mim, junto a Nino, que logo se puseram ao nosso lado. Adrien me ajudou a colocar o blazer de volta – eu posso ficar feliz pelas duas coisas, eu hein.

– Fico feliz em ouvir isso, Marinette. Não precisa ser um evento único, acredite. – ele me olhava pelo canto do olho, as mãos no bolso, as feições com a malícia estampada.

– Você é um idiota. E você ainda me deve qualquer coisa. – entrei no joguinho dele, deixando a diversão transparecer em meu rosto.

– Verdade. No fim das contas, se decidiu?

– Eu já tinha me decidido. – esperei pela expressão de indignado, que não demorou a vir.

– E por que não disse??

– Porque, mais ou menos um minuto depois, você fez exatamente o que eu pensei.

– E agora tá me cobrando outro pagamento? – suas mãos saíram de seus bolsos para o ar, expressando sua indignação.

– Foi você que disse que era só um bônus. Lide com isso. – mostrei minha língua, tirando sarro da cara dele.

Alya e Nino observavam nossa conversa atentamente, praticamente emocionados. Ignorei.

– E você já decidiu o que quer ou eu vou ter que adivinhar com mais um bônus? – ele se aproximou, sua mão tocando levemente minha cintura, seus olhos com um brilho, agora, familiar.

Pedi, olhando em seus olhos, que sua mão terminasse de contornar minha cintura, o que ele logo fez. Com seu toque em mim, senti as borboletas despertarem, assim como as estrelinhas em minha boca.

– Se a gente estiver pensando no mesmo bônus, eu não me incomodaria de ganhar mais um...




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