Livro 2 - Capítulo II

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Luco de Ástures — Primavera, Junho de 834 d.C.

Juan chegou a Luco de Ástures após muitos dias de uma viagem solitária.

Perto da fronteira entre o Emirado e o Reino das Astúrias percebeu os sinais de que a guerra voltara a assolar a região.

Algumas pequenas aldeias e casas de fazenda estavam incendiadas, tanto do lado árabe como cristão, corpos insepultos atraiam aves de rapina e predadores carniceiros.

Por isso ele pernoitava em bosques ou ravinas, evitando contato com os poucos moradores da região.

Sentiu-se seguro somente ao cruzar as montanhas da Cantábria.

Cansado, sujo e profundamente triste ele trotou pelas ruas enlameadas de sua cidade natal, atraindo os olhares curiosos dos moradores, ocupados em seus afazeres diários.

Ao passar pelos portões do castelo sob o olhar espantado das sentinelas não conseguiu sentir que estava em casa. Para ele lar era onde seu coração estava e seu coração estava em algum lugar do território de Al-Andalus.

Desmontou entregando as rédeas para um servo e caminhou em direção ao interior da estrutura de pedra. Seus passos ecoaram pelos corredores vazios até alcançar o salão principal.

O sol estava perto do zênite e servos arrumavam a grande mesa retangular de carvalho para o almoço colocando pratos, copos e talheres na cabeceira e em dois lugares do lado direito.

— Mestre Juan! – exclamou um velho castelão encarregado da organização dos serviços no castelo.

— Olá, Miguel – respondeu — Poderia perguntar ao senhor Duque se ele me receberia?

— Imediatamente, senhor – respondeu após uma mesura e saiu com passos apressados.

Juan sentou-se no lado esquerdo da mesa e aguardou por um longo tempo. Servos trouxeram panelas com um cheiro delicioso, mas não colocaram pratos em sua frente.

Na hora do almoço Duque Iglesias entrou com passos firmes, apesar de seus cinquenta e cinco anos ainda era um homem forte, os cabelos negros começando a ficar grisalho, o que lhe dava um ar ainda mais distinto. Ao seu lado estava Manoel, o primogênito, e sua esposa, uma bela dama, recém-saída da adolescência, que possuía cabelos claros, quase loiros, e olhos cor de mel que combinavam com seu vestido verde.

Seu irmão contara que pedira para Dom Iglesias esperá-lo voltar de Mérida para o casamento, mas o Duque não aceitara.

— Então o filho pródigo a casa torna? – perguntou Iglesias com um esgar ao vê-lo se levantar da cadeira onde estivera sentado.

— Meu pai, Manoel, minha Senhora – respondeu curvando a cabeça em sinal de respeito.

— Olá, irmão – cumprimentou Manoel se sentando após o Duque, ao lado da esposa que lhe sorriu timidamente.

— Resolveste me desobedecer e não retornar – começou o Duque enquanto cortava uma coxa de frango — Padre Paulus foi se apresentar ao rei sozinho, quando minha ordem era para que ambos fossem.

— A propósito, estou bem pai, e folgo em vê-lo bem disposto e com saúde – disse Juan irritado com a falta de interesse do pai.

— Isso eu posso ver – rosnou.

— Tive que resolver um assunto pessoal – continuou sentindo o estômago roncar de fome.

— Você já é um homem Juan, está na hora de assumir responsabilidades – afirmou ignorando sua explicação.

O Jovem suspirou, a ideia de ganhar o mundo como mercenário nunca fora tão agradável.

— Se me permite pai, preciso de bons soldados, e Juan se mostrou corajoso e hábil, segundo disseram nossos homens que voltaram do sul – apartou Manoel comendo com vontade.

— Está bem – decidiu Dom Iglesias — Leve-o com você para Oviedo, partimos amanhã cedo – concluiu ignorando Juan.

— Se me dá licença, pai – decidiu o jovem se erguendo — Vou almoçar com os soldados.

Dom Iglesias fez um gesto com a mão autorizando e Juan saiu do salão.

Nada mudara em sua relação com o próprio pai, pensou com tristeza. 

A GUERREIRA INDOMÁVELOnde histórias criam vida. Descubra agora