O Garoto Que Eu Vejo

Ei você! Você ai no espelho!

"[...]não sei se sairia ilesa da pressão dos seus olhos, sobre os meus, ali na integra. "

Peguei minha bolsa, e sentei no sofá. Tirei o espelho de dentro dela, estava igual no dia anterior, evitei entrar no banheiro logo de primeira, afinal o acontecimento de manhã ainda me assustava. Olhei para ele e deslizei meus dedos sobre as gravuras.

_Se ele mostrasse o que eu mais desejo, o que apareceria? Só vejo a mim mesma, mas eu já me tenho. _ disse em uma mistura de melancolia e ironia.

_ Eu veria um carro... _ disse novamente a voz, mas eu estava sozinha, ou pelo menos era para estar.

_ Meu Deus, de novo não! Olha eu tenho uma arma! _ disse levantando do sofá e deixando o espelho lá, fui a cozinha e peguei uma faca, obviamente eu não tinha uma arma.

_Olha se toda a vez que eu abrir a boca você reagir assim, vai ficar impossível a gente se falar! _disse novamente a voz.

_ Aonde você está? _eu não sei o motivo de perguntar isso, eu realmente deveria apenas ter pegado a Milk e chamado a polícia.

_ Olha, vai para o sofá e ninguém se machuca! Okay? Senta lá e pega o espelho, aquele mesmo lá o bonito. _ disse a voz.

Segui todas a instruções, realmente estava sendo vítima de um assalto, meu dia parecia uma montanha russa, é muita coisa para apenas vinte e quatro horas.

_ Isso, certinho! Agora não surta, haja o que houver não derrube ele! _ pediu a voz, e eu obedeci.

Bom, em parte eu tentei. Assim que a voz terminou de dar sua última instrução um rosto surgiu no espelho que eu tinha em minhas mãos. Congelei. A imagem estava parada, e eu também, naquele momento eu não lembrava de nada, só pensava: "Meu Deus do céu". Apenas isso, meus únicos neurônios haviam deixado o posto há tempos, e o sistema estava sem comando.

_Isso, calma! Bom, meu nome é Peter, você é a Dotty, não é? _ disse a voz no meu espelho. A VOZ DENTRO DO MEU ESPELHO. Desculpe me exaltei, mas enfim, olhei aquilo por alguns segundos e como qualquer outra pessoa sensata, desmaiei. Após alguns minutos inconsciente, minha mente me levou para um campo bonito e verde, pássaros cantavam, borboletas voavam, e eu dançava em meio as flores.

Do alto do céu surgiu uma fada, que dizia: " Acorde, Dotty, acorde...", conforme eu despertava a voz se tornava mais grossa, até que meus olhos se abriram. Adeus campo paradisíaco, olá apartamento. Milk lambia sua vasilha de leite, e o espelho estava em cima da minha barriga, aos poucos eu me lembrava do que havia acontecido.

_ Eu pedi para que não surtasse, e você desmaiou. _ disse a voz.

_ Okay, já chega, vou te devolver já! _ disse devagar, ainda voltando ao meu corpo, e pegando meu celular, precisava do endereço daquela senhora o mais rápido possível, aquele espelho estava me causando alucinações.

_O que você quer dizer com devolver? _ perguntou a voz. Ignorei, afinal, quanto mais cedo eu levasse ele de volta, mais cedo minha sanidade voltaria também. Liguei para Lia para pedir as coordenadas exatas, ela não me atendeu, então decidi ir lá por mim mesma, e comecei a pegar as coisas para partir.

_ Por favor me escute! _ disse a voz e eu parei, por instinto, e analisei a situação, algumas situações são tão malucas que a gente passa a acreditar inconscientemente que está sonhando, pelo menos foi o que houve comigo, eu decidi mergulhar na loucura que acontecia ali.

_ Quem é você? E porque está no meu espelho? _ perguntei.

O rapaz que aparecia ali era alto, mesmo estando pequeno dentro do objeto, seus cabelos eram longos e morenos, ele parecia um modelo de bronzeamento, tinha olhos castanhos escuros como bolas do gude, intensos eu não me atrevia a olhar muito, por medo e vergonha, parecia que ele podia ler a minha mente, meu passado, futuro e presente. Apesar de parecer cansado e zangado pela cena que eu fazia, seu rosto ainda era amigável e sereno..., mas ele ainda era uma pessoa no espelho, uma loucura, um fato sem explicação lógica alguma.