Único; como a história do Soldado, do Poeta e do Rei

94 9 21
                                    

    Espoleta, o garoto atravessou os arbustos espinhentos de amoras vermelhas. Espantou as borboletas que estavam nas flores pelo seu caminho. Correu, livre, na companhia dos pássaros que voavam sobre sua cabeça no céu azul iluminado do fim de tarde. Afivelado às costas dele pelo cinto de couro, o caderno de desenhos e o carvão estavam seguros. Ah! Seria uma lástima caso seu tio descobrisse aquele segredo! Havia pego-os de seu baú do tesouro, instantes antes, numa das árvores que havia deixado pelo caminho. Escondia-o num dos galhos mais altos, a salvo da chuva dos esquilos e dos olhos enxeridos de seus primos.

    Nunca deixava que a hora do chá durasse muito. Enquanto o resto da família ocupava os lugares da sala de estar, ele comia às pressas os bolinhos com mel, bebia o líquido quente sentindo-o cortar sua garganta pelo calor, tudo isso, escondido à cozinha. Após a comilança desenfreada, ainda que pobre, lembrava-se de respirar. Saia sem ser percebido, assim como entrava. Sua existência naquela casa não era significativa. Bebia a água gelada do poço antes de pular a cerca dos fundos. Pelo caminho entre as macieiras de seu quintal, corria até a trilha da colina, em direção ao bosque. Assobiava a cantiga que havia aprendido com os fazendeiros vizinhos, a qual todas as crianças das redondezas já sabiam. Os homens cantavam durante a colheita, as mulheres ao lavarem os lençóis agachadas no riacho e os mias jovens ao redor das fogueiras nas noites de lua cheia.

    Era a cantiga da história do Soldado, do Poeta e do Rei. Três figuras fortes que lutavam entre eles mesmos para decidirem quem iria governar a cidade.

    — Virá um soldado, que carrega uma poderosa espada, ele destruirá sua cidade! Oh lei, oh lai, oh lorde.

    O menino de cabelos escuros e acinzentados entrou em disparada pelo bosque, parou na estreita clareira, encarou o céu e assobiou mais alto. Esperou que os pássaros surgissem do alto das árvores e cantassem consigo. 

    As aves não responderam. Jisung assobiou ainda mais alto, sentindo os lábios ficarem secos.   

    Seus dias eram repletos de trabalho. Ajudava com o feno, ordenhava as vacas, colhia as maçãs maduras, cortava a lenha empilhada ao lado da casa. Seus braços, ao final do dia, tremiam pela exaustão. Também precisava lavar os cavalos, alimentar os patos, colher os ovos do galinheiro e pastorear as ovelhas. Seu único e curto momento de felicidade era o sino da varanda, que quando tocado, anunciava que o chá estava pronto. Indicava também que poderia parar seus afazeres do dia. Ele podia comer e estava livre para correr pelas colinas verdes até a hora do jantar.

    Antes, era apenas a correria, os assobios e as flores que colhia. Fazia tudo sozinho, até que em um dia de início triste e final surpreendente, quando as luzes do pôr do sol tocaram o verde das colinas, ele conheceu Chenle. Esse, apresentou-o todo os segredos que o bosque poderia esconder.

    Cabisbaixo e sem resposta, o garoto cujo nome era Jisung, apertou entre as mãos o cinto preso ao seu tronco. Seguiu seu caminho para o alto do morro mas um assobio que veio do alto de uma das árvores o parou. Virando-se para trás, avistou o pequeno pássaro que descia em sua direção, voando rápido como uma flecha, batendo asas como se batesse palmas. Estava feliz por vê-lo mais uma vez.

    Agitado, ele voava ao redor do menino, formando círculos. Com esforços grandioso, a pequena ave empurrou-o de volta para a clareira. Os últimos raios de sol passavam pelo espaço livre entre os galhos e as folhas, os quais começaram a farfalhar com sua volta. Era o agito dos outros pássaros. Eles soltaram de seus ninhos, uma mistura de penas coloridas que voavam ao redor da clareira, se juntando a sinfonia começada por Jisung. As botas do menino o levaram a saltitar de um lado para o outro.

    Os pássaros não se calaram e cantaram consigo:

    — Oh lei, oh lai, oh lei, oh lorde! Ele destruirá sua cidade! Oh lei, oh lai, oh lorde!

Nas horas laranjas, Dança de Roda | ChensungOnde histórias criam vida. Descubra agora