CAPÍTULO 47

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Consequências fatais

Faltava umas duas horas para o dia nascer. Fagin estava sentado em seu covil com o rosto tão pálido e distorcido, os olhos tão vermelhos e cheios de sangue, que mais parecia um fantasma.

Esticado sobre um colchão estava Noah Claypole, dormindo profundamente. O velho não mudou de posição até que seu atento ouvido foi atraído pelo barulho de passos na rua.

– Finalmente!

O sino tocou. Subiu as escadas para abrir a porta e rapidamente voltou acompanhado de Sikes.

– Aí está! – falou colocando o pacote sobre a mesa.

Fagin pegou o pacote, trancou-o no armário e sentou-se, olhando tão fixamente o outro que o assaltante, involuntariamente, puxou sua cadeira para trás.

– Preciso dizer algo, Bill – começou Fagin –, que será pior para você do que para mim.

– Desembucha!

– Supondo que aquele rapaz que está deitado ali... – Fagin começou – fosse delatar... entregar a todos nós... Procurando as pessoas certas para esse propósito e então, encontrando com elas para dizer como somos, descrevesse cada detalhe sobre nós e o lugar onde pudéssemos ser encontrados. Não preso, encurralado, julgado, interrogado, mas por capricho. E então?

– E então? – respondeu Sikes rogando uma praga. – Eu iria moer seu crânio no inferno.

– E se fosse eu? – falou Fagin quase gritando.

– Não sei – Sikes ficou branco ante a simples sugestão. – Eu faria alguma coisa para me colocar na prisão e, se fosse julgado com você, o atacaria dentro do tribunal e arrancaria seus miolos na frente das pessoas.

– E se fosse Charley, ou o Trapaceiro, ou Bet, ou...?

– Não importa quem – respondeu Sikes impacientemente –, eu faria o mesmo.

Fagin olhou duro para o ladrão e sacudiu o rapaz para acordá-lo.

– Bolter! Pobre rapaz! – disse Fagin. Olhando para cima com uma expressão diabólica, falou lentamente com ênfase nas palavras: – Ele está cansado... cansado de vigiá-la por tanto tempo... vigiá-la, Bill.

– O que quer dizer? – perguntou Sikes afastando-se.

Noah coçou os olhos e, dando um grande bocejo, olhou sonolento ao redor.

– Conte-me aquilo novamente... para ele ouvir – falou o velho. – Aquilo sobre... Nancy – falou segurando Sikes. – Você a seguiu? Até a Ponte de Londres? Onde ela encontrou duas pessoas?

– Sim.

– Um cavalheiro e uma dama que já havia procurado antes, que pediu que ela entregasse todos os seus colegas, e primeiro Monks, o que ela fez... Ela o descreveu e contou os locais que frequentamos, de onde ele poderia ser melhor observado e... Contou tudo sem uma ameaça, não foi? – gritou Fagin meio louco de raiva.

– Exatamente – respondeu Noah.

– O que disseram sobre domingo passado?

– Eles perguntaram – falou Noah, ficando mais desperto – por que ela não foi no domingo anterior como tinha prometido. Ela disse que foi mantida em casa à força por Bill, o homem de quem ela tinha falado antes.

– E o que mais? – gritou Fagin. – Conte!

– Que na primeira vez que tinha ido ver a dama, ela... – ele riu – tinha lhe dado uma bebida com láudano.

– Que inferno! – gritou Sikes soltando-se com raiva do Judeu. – Preciso ir!

Saiu correndo da sala e foi, descontrolada e furiosamente, em direção às escadas.

– Bill, Bill! – gritou Fagin. – Uma palavra. Você não será... muito... violento, Bill?

O dia estava nascendo e havia um fogo nos olhos de ambos que não podia ser confundido.

Sem dar nenhuma resposta, Sikes mergulhou nas ruas silenciosas.

Com os dentes tão trincados que a mandíbula parecia que ia romper a pele, o ladrão seguiu, sem relaxar um músculo, até chegar à sua casa. Entrou na sala em silêncio, trancou a porta, empurrou uma pesada mesa contra ela e puxou a cortina da cama.

A garota estava deitada.

– Levante! – gritou.

– Bill – disse a garota assustada –, por que está me olhando desse jeito?

O ladrão, segurando-a pela cabeça, jogou-a no meio da sala e cobriu a boca de Nancy com a mão.

– Bill, Bill! – falou ofegante, lutando com a força do medo mortal. – Eu... eu não vou gritar... ouça-me... fale comigo... diga-me o que eu fiz!

– Você foi vigiada. Tudo o que disse foi ouvido.

– Então poupe a minha vida, como eu poupei a sua. – retrucou a garota agarrando-se a ele. – Pense em tudo o que eu renunciei por você.

O homem debateu-se violentamente para soltar seus braços, mas não conseguiu.

– Bill – ela chorou –, o cavalheiro e a jovem dama falaram-me de uma casa no estrangeiro onde eu poderia viver em solidão e paz. Deixe-me vê-los novamente. Nunca é tarde demais para se arrepender. Eles me disseram... Eu percebo isso agora... Nós ainda temos tempo...

O arrombador libertou um braço e pegou sua pistola. A certeza da imediata prisão se ele atirasse passou por sua cabeça, então bateu com ela com toda força no rosto da menina.

Ela cambaleou e caiu quase cega pelo sangue que descia do corte profundo em sua testa, mas ficou de joelhos com dificuldade e tirou de seu peito o lenço branco de Rose Maylie. E, segurando-o com as mãos juntas, pediu misericórdia ao seu executor.

Era uma cena medonha de olhar. Ele cambaleou em direção à parede tapando os olhos com a mão, pegou um pesado taco e golpeou-a até a morte.

Oliver Twist (1838)Onde histórias criam vida. Descubra agora