Capítulo 6 - A Deusa Esquecida

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Capítulo VI
"A Deusa esquecida"

☆I
3 de juhho de 2005

O alarme do celular estava desativado, era sexta e a prefeitura havia solicitado a escola como local usado para o mutirão de vacinação infantil anual, Sandara, que na escola era conhecido como Vicente professor de história e geografia ficou contrariado em se alegrar ou entristecer, seria possível dormir até mais tarde sim pois o dia era vago, porém a prefeitura não remunerava esse tipo de folga forçada e aquele mês ele estava contanto com cada centavo do salário.
As quatro da manhã ele abriu os olhos, havia escutado algo lá fora. Acordar as quatro da matins em plena folga era demais, chegava a ser absurdo, ignorou e tentou voltar a dormir.

TOC-TOC-TOC

Abriu os olhos já mal humorado tomando abuso de sabe-se-o-quê estava a incomodar, buscou a origem do som e então pela luminosidade fraca viu a sombra na janela.
Levantou e a contragosto ergueu o vidro, o pombo estava lá todo empertigado.
— Que diabo pensa que está fazendo? — Sandara rosnou.
— Meu caro, sorte sua eu ter asas pois se tivesse mão metia-lhe um soco na cara. Esses são modos de falar com um emissário do divino? Onde está o *Ẹ káàró*? Não vai me prestar os devidos respeitos?
— As quatro da manhã não dou bom dia nem que você fosse o emissário do capeta.
O pássaro apertou os olhinhos cheio de consternação.
— Essa raça de gente filho de Oyá é mesmo o chorume do lixo, pare de falar, se vista e venha comigo. — Bambó bateu asas antes que Sandara pudesse agarra-lo, e acreditem, se ele tivesse posto as mãos no pombo não teria sobrado nada.
— Desgraça de pombo desaforado! Mas deixe ele, deixe ele que um dia faço um *orô* com ele, há se faço...

Vestiu só sandália, bermuda e camisa de botão, as quatro da matina ainda estava um frio danado naquele breu, mas Sandara sempre teve o corpo mais quente que o normal e era muito calorento, invés de sair pela porta, coisa que seria desagradável pois Enobária com certeza o ouviria passar a chave na porta da sala e viria quer saber onde ia.
Saltou a janela com agilidade, já tinha quarenta e quatro anos nestes dias mas era ágil como um moleque.
O pombo estava pousado no topo de um poste de luz bem na entrada da casa.
— Vamos, eu vou voando e tu veja se me segue, não temos tempo a perder.

Sandara correu atrás da ave, ela ia o mais rápido que podia afim de testar os limites do homem, mas é ai nesses pequenos detalhes que a ancestralidade se revela,  a pele preta de Sandara era notoriamente de origem africana, mas o que ele não sabia é que seus antepassados não eram todos Yorubas como imaginava, séculos atrás uma de suas ancestrais, uma mulher chamada Ọlásìḿbọ̀, fazendeira das terra de Kwara havia casado com um homem *Kalenjin*, e para quem não sabe os Kalenjin eram e até os dias de hoje são rápidos como um leopardo correndo savana. As pernas de Sandara iam ritmadas engolindo os metros da estrada, corria de modo que os músculos de seu peito balançavam e o suor escorria pelo pescoço, após seis quilômetros estava muito cansado, mas não parou, se parasse sabia que o maldito pombo ia vir cheio de zombaria e isso era o que o motivava a correr mais.
Quando a estrada acabou o que restava era mato, Bambó pousou em uma arvore seca na beira da estrada e apontou esticando a asa:
— Segue para frente, sempre em frente, lá no olho d'água encontrará quem lhe espera.
— Olho d'água? Não existem lagoas ou lagos neste lado, os que tem em Monte D'Avila ficam mais para o Leste.
— Não discuta Sandara, apenas vá.

Suspirou fundo e entrou no matagal, foi pisando macio com medo de ter cobra, as caninanas viviam fazendo ninho por ali, continuou até que o mato de repente ficou, mais alto e ele viu no meio das touceiras despontar alguns *rabos-de-gato*, estranhou pois era terra seca, mas prosseguiu, logo uma luz azulada começou a surgir banhando as folhas, ao adentrar mais abrindo caminho entre elas Sandara chegou até a fonte da luz e seu queixo caiu de espanto.
Havia um pequeno lago de forma perfeitamente redonda, a água azul resplandecia como se alguma fonte de luz estivesse por dentro, mas não era só isto, uma brisa constante agitava as folhas altas do entorno, dezesseis pedras arredondadas do tamanho de bolas de boliche rolavam em torno do lago em um circuito veloz e ininterrupto mas sem fazer quaisquer ruido ao passar sobre a terra úmida, mas o mais intrigante era o fogo, pairando no Centro do lago a uns dois palmos água havia uma grande chama de fogo azul.
— Búfalo Sandara — alguém o chamou.
A voz era como de mil pessoas em coro, vozes de homens, mulheres e crianças, Sandara não entendia, ali havia a força dos quatro elementos primordiais, ele não conhecia qual era aquele Orixá, não conhecia um Orixá que tivesse poder sobre todos os elementos juntos.
— Búfalo Sandara — a voz voltou — descalça teus pés pois esta a pisar em terra sagrada.
Lentamente ele se abaixou e desfivelou as sandálias ficando descalço.
— Meu senhor eu peço perdão pela minha ignorância mas não o reconheço... qual dentre quatrocentos Imoles é este que estou diante?
O vento soprou mais forte, tão forte que Sandara caiu para para trás e teve de se apoiar com o braço para não bater o corpo no chão.
— Não sou Imolé, não sou Orixá nem respondo por nenhum dos nomes que estão a fervilhar em sua mente.
— Então... então quem é?
— Eu sou aquele de dezesseis nomes, sou o que fez o teu povo a base do pó de *irawo* e assim deu cor da noite a tua pele, eu sou o que tem os quatrocentos Orixás como crianças a puxar as barras das minhas vestes, me chamo *Olofin*, me chamo *Alagbara Oorun*, *Olojo Ooni*, *Olorun*, sou *Oluwa*, meu filho, eu sou aquele chamado*Olodumare*.
Sandara arregalou os olhos, já tremendo como vara verde foi abaixando aos poucos até dar o foribalé, ao se levantar permaneceu em silêncio sem saber o que fazer. Olodumare continuou:
— Há algo que me chama atenção nesta sua terra, algo que é um espinho no caminho dos meus. Eu me pergunto Búfalo Sandara, me pergunto se você estaria disposto a fazer um grande sacrifício em meu nome e no nome de todos os Orixás e ancestrais.
— Eu... estou senhor, estou sim.
— Pois por sete luas deverá repousar sobre as palavras que hei dizer, após isto voltará e me dará a sua resposta.
— Sim... o que é? Senhor.
— Há alguém, uma feiticeira, uma que passará de todos os limites criados por mim, uma que se não for silenciada fará coisas terríveis. Eu Sandara lhe pediria para remover esta trave de meu caminho.
— E quem é essa feiticeira meu senhor?
— É uma filha da serpente vermelha, uma que recebeu de sua mãe dádivas adquiridas pelo amor desmedido e insano. Uma que mesmo sendo humana já viveu sobre a terra por duas mil luas grandes. Seu nome primário foi Iyá Abifoluwa Fehintola. Esta mulher tem em sua casa muitos herdeiros filhos frutos do sangue e da carne dos Imolé, e choro pelo destino cruel destas pobres crianças.
— Meu senhor... não está se referindo a... não a...
— Eu lhe peço meu filho, lhe entrego a ardua missão, lhe rogo que de um fim a existência de... Enobária.

Búfalo Sandara Onde histórias criam vida. Descubra agora