MINHA VIDA NUNCA FOI um mar de rosas e tenho certeza de que nunca será. Mas quem tem uma vida perfeita? Minha mãe foi dessa para melhor quando eu tinha doze anos, já fazem quase quatro anos desde que vi o brilho de seu olhar ir embora para sempre. Seria uma mentira dizer que não sinto falta, faria qualquer coisa para vê-la pelo menos mais uma vez, nem que fosse por um segundo sequer. Ainda consigo lembrar de como ela sorria. Tinha uma beleza estonteante, uma musa japonesa. Desde então não tenho muitas noticias de meu pai, um ano após a morte de mamãe ele simplesmente sumiu. Deduzo que tenha voltado para Osaka, me deixando com minha tia em Daegu.
Minha tia não é bem a melhor pessoa do mundo quando se trata de mim, Chie era irmã gêmea — o fato de Chie e minha mãe serem exatamente a mesma pessoa ainda me incomoda — de mamãe e mesmo quando ela estava viva, nunca tivemos uma boa convivência, mas desde que passamos a viver juntas posso dizer que conseguimos nos aguentar. Posso afirmar que não conseguiria ter passado por isso sem ela, e principalmente sem Park Jihyo, minha única e melhor amiga, nós nos conhecemos na academia de dança que eu frequentava há um tempo, depois disso ficamos inseparáveis, ela até se transferiu para minha escola. Estudar com Jihyo é perfeito, antes mesmo de nos conhecermos eu não tinha coragem de falar com ninguém, e agora talvez eu seja um pouco mais sociável.
Agora estou sentada no sofá, assistindo um programa qualquer na televisão enquanto falava comigo mesma, repassando alguns acontecimentos que marcaram minha vida com o passar dos anos. Chie parou enfrente a televisão, encarei-a. Era como encarar minha mãe novamente. Apesar da idade, ela parecia mais jovem do que nunca, parecia alguma espécie de Yoko Ono, até com os cabelos volumosos bem característicos da artista — só que sem o fato de ela ser uma artista plástica famosa e todo aquele romance com John Lennon, Chie é muito amarga para pensar em amores. Mas ainda assim espero que algum dia eu seja bonita desse jeito. Posso notar um saco de lixo em uma de suas mãos, parecia pesado. Ela o estende em minha direção. Não pude deixar de revirar os olhos antes de levantar do sofá, tomando o objeto das mãos de Chie.
A rua estava fria e ainda estamos no outono, estávamos no inicio de setembro, um mês para o fim do último semestre do segundo ano. Logo estaria no último ano do ensino médio. O barulho do saco soou como se algo tivesse se estilhaçado dentro da lata de lixo quando o joguei com certa violência: poderia ter um vidro que se quebrou lá dentro. Parei para observar a rua: vazia como de costume. Apesar do frio, só vi cair neve uma vez em dezembro, no meu primeiro ano em solo sul-coreano, e prefiro que fique assim. Eu odeio neve.
Não pude deixar de notar, do outro lado da rua haviam alguns garotos recostados enfrente a casa do vizinho. Era Hoseok e seus amigos. Me pergunto como estavam aguentando o frio de rachar da rua. Hoseok e eu estudamos juntos mas nunca trocamos muitas palavras, quando começamos a nos aproximar ele mudou drasticamente, talvez pela sua popularidade ter crescido e a minha nunca ter existido. Mas ultimamente esses estereótipos de grupinhos populares deixaram de existir, mas de qualquer jeito nós não tentamos novamente uma amizade.
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LOST IN TRANSLATION
Short StoryEm processo de reescrita. (the stupid happy boy). © 2023 Findju