Cássia filha de Oxóssi

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Cássia estava desempregada há dois meses. As contas já acumulavam em cima da mesa e a última compra do mercado estava no fim. Por sorte, sua irmã visitava às vezes e deixava um dinheirinho, assim ela ainda conseguia comprar cerveja e cigarro.

- Prefiro morrer sem comida do que sem fumar. - Ela dizia isso todas as vezes que a irmã a pedia para largar o vício, que já durava um ano.
Cássia não se importava em procurar um emprego novo. Achava o emprego antigo um saco e o ex-patrão vivia pedindo que ela saísse do celular. A verdade é que Cássia não gostava de trabalhar, tinha preguiça de tudo e de todos. Não entendia por que era obrigada a conviver com pessoas tão ridículas. Julgar era seu passatempo preferido.

A notícia da demissão não a impressionou ou desesperou. Ela até achou que o ex-patrão a aturara mais do que o necessário. A gota d'água foi quando a flagrou roubando algumas cédulas do caixa. Enfim, passaram-se dois meses deste episódio e Cássia verdadeiramente não estava se importante muito. Era do tipo que dava um jeito, nem que fosse um jeito ilícito.

Certa vez, a vizinha decidiu convidá-la para assistir uma palestra no centro de Umbanda que frequentava. Cássia não acreditava nessas baboseiras muito menos em Deus, mas decidiu ir porque a vizinha disse que na falta pagaria uma bebida.

A vizinha, por sua vez, era uma moça preocupada e que gostava de Cássia e queria muito ajudá-la a melhorar de vida. Tentava de tudo para animá-la e quando o orçamento permitia entregava cestas de comida ou produtos de limpeza. É claro que Cássia sabia de sua bondade e sempre que possível se aproveitava disso.

Cássia assistiu à palestra umbandista e não se sentira nem um pouco sensibilizada. Só queria ir embora logo para tomar a bebida que a vizinha prometeu.
Quando estavam saindo, um homem todo de branco e com colares no pescoço se aproximou de Cássia e disse:
- Olá, boa noite. Sou o Marco, dirigente aqui da casa. É sua primeira vez?
Cássia se assustou com a abordagem e timidamente respondeu:
- Prazer. É minha primeira vez, sim. Sou Cássia.
- Cássia, que ótimo te ter aqui. Seja bem-vinda. Você pode conversar comigo um instante aqui no jardim?

Cássia disse que sim e desconfiada seguiu Marco até o lado de fora do centro, onde havia alguns banquinhos e muitas flores. Marco acendeu um cachimbo (o que Cássia achou bastante curioso) e ficou em silêncio de olhos fechados. De repente, seu semblante e sua voz mudaram e o homem disse:
- Minha filha, precisava mesmo falar com você. Não se assuste com o que vou te dizer, tá certo?
- Hum, tá. Eu acho. Você está bem?
O homem deu uma risada enquanto tragava mais um pouco. O cheiro do cachimbo era forte e impregnava o ar. Mas Cássia não se incomodou. Ele continuou:
- Estou ótimo, quem não tá bem é você. Faz quanto tempo que você está assim, largada pra sorte, despreocupada com a vida, vendo os dias passarem? Há quanto tempo você não se cuida ou não se compromete com as coisas, hein?
Cássia se assustou mais ainda. Que tipo de dirigente é esse que nem conhece as pessoas e desata a falar coisas assim? Ela se sentiu afrontada e respondeu agressiva:
- Olha, não sei qual é a sua, mas eu não admito esse tipo de papo com quem não me conhece! Não te devo nada, nem a você, nem a ninguém. O que eu faço da minha vida é problema meu.

- Com certeza é problema seu. Mas você é filha de Oxóssi e eu vim em nome dele. Te espero faz tempo por aqui. E você tem seu gênio e tem seu jeito difícil, mas não é isso que tá travando sua vida. Tem algo além. Aqueles dias que você chora sem motivo, se sente fraca, incapaz, não gosta de si. Sua vontade de beber e fumar todo o tempo e fazer coisa errada. Você não era assim, era?
Cássia ficou incrédula. Como aquele homem sabia disso tudo? Ela colocou o rosto nas mãos e desatou a chorar. De fato, não se sentia ela mesma, mas já fazia tanto tempo que nem se importava mais. O homem segurou sua mão e continuou:
- Pode chorar e não se preocupe. Vamos cuidar de você. Mas preciso que tenha fé e disposição para melhorar, porque seu livre arbítrio é mais forte que todos os poderes, certo? O que você sente aí dentro é parte sua, mas também parte de um brincalhão que tem te acompanhado.
- Como assim, um brincalhão? Tipo um espírito?
- Sim, isso é normal. Tem espíritos desencarnados que ainda não conseguiram seguir à luz e então aproveitam pessoas com vibrações mais baixas para continuar ligados ao nosso plano, bebendo, fumando, xingando e influenciando para o mal. Mas vamos te ajudar e você se libertará.
- O que preciso fazer? Me diga, faço qualquer coisa.
E então Cássia ouviu as instruções com devoção. Entre elas estava rezar todos os dias com o Evangelho Segundo o Espiritismo, ir ao centro todas as semanas e acender uma vela ao seu anjo da guarda com mel e água.
Na mesma noite, Cássia pediu que a amiga a levasse ao mercado ao invés de lhe pagar uma bebida e comprou velas e o mel.
Mais dois meses se passaram e Cássia era outra mulher. A vizinha lhe conseguira um emprego de auxiliar de cozinha e ela se sentia bem. Estava quase parando de fumar e de beber e o centro umbandista se tornou seu segundo lar. Sua evolução foi rápida e, além de frequentar a casa para ser atendida, agora também fazia parte de um grupo voluntário de umbandistas para pessoas com vícios. E assim uma nova corrente foi formada, em que a cura de Cássia tornou-se a cura de muitos outros que serão ajudados como ela, todos filhos e filhas de Oxóssi.

Cássia filha de OxóssiOnde histórias criam vida. Descubra agora