Ponto riscado, ponto cantado

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Era a primeira vez de Elisa no terreiro.
Tremia de nervoso.
Foi a um bazar e comprou uma roupa branca. Não era cara nem de bom tecido, mas ali parecia que ninguém se importava com isso.

Entrou na roda e congelou de pé. Sequer olhava para o lado, com receio de alguém lhe dirigir a palavra ou pedir que fizesse algo. Pensava a cada segundo como não estava pronta, mas a dirigente dizia o contrário.

A música começou. Palmas. Batuques. Fumaça. Ainda nervosa, Elisa tentava se acalmar mas não conseguia. Até as músicas, que sabia de cor, fugiram da mente carregada de ansiedade e timidez.

E aí o dirigente da gira se aproximou.
- Está nervosa, menina?
- Sim, sim. Hoje é meu primeiro dia. Vou ficar aqui em oração.
O homem riu alto. Já não era mais o dirigente, e sim o Velho Preto Baiano.
Ele pediu para a música cessar e nessa hora Elisa petrificou os olhos no chão.
Velho Preto pede:
- Menina, canta o ponto de seu Exú.
- Mas, mas... eu não sei.
- Hum. - Velho Preto anui com a cabeça, de olhos fechados, e retruca:
- Então risca o ponto.Elisa olhou para ele com ar de incógnita. "Riscar o ponto? O que será isso agora, meu Deus?". O Velho Preto deu uma boa gargalhada e fez um sinal para o restante dos médiuns. Começa a tocar a música de Exú Sete Encruzilhadas.
Elisa a reconhece. Fecha os olhos e é levada pelo som. Alguns minutos depois percebe a presença de seu Exú guardião, com muita força.
Passa-se um tempo e Elisa acorda da incorporação. Ao abrir os olhos, a cabeça está olhando para o chão e ali existe um desenho feito com giz - "pemba".
Ela levanta a cabeça e olha para o dirigente, parado em sua frente. Ele diz com um sorriso leve e jocoso:
- Tá aí o seu ponto riscado. Entenda que a Umbanda tem fundamento e que os guias que trabalham com você já tem gabarito suficiente pra te ensinar. Só falta confiar.
Aquela foi apenas a primeira noite de Elisa. Com certeza, a mais memorável.

Ponto riscado, ponto cantadoOnde histórias criam vida. Descubra agora