Prólogo

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Seu coração selvagem disparou, batendo de forma caótica como o riacho a sua frente. Seus membros tremiam e quando o luar atravessou a sua forma, eu pude ver o seu pulsar e seus olhos olhando de um lado ao outro, em alerta ao
perigo. Eu a observei das sombras das árvores, um espectro negro atento como a morte. Depois de erguer seu nariz no ar uma última vez, ela nervosamente abaixou sua cabeça para beber água.
Eu saltei do meu esconderijo e atravessei a grama e arbustos, acabando com a distância como uma estrela cadente. Minhas garras rasparam contra uma raiz retorcida, empurrando-a para cima do solo, como o braço de um esqueleto
e ela ouviu o barulho.
Saltando rapidamente, o veado desviou para a esquerda. Eu pulei, mas meus dentes pegaram somente o pelo espesso do seu casaco de inverno. Ela soltou um grito de alerta e meu sangue correu e eu me senti mais vivo do que eu estive em meses.
Eu ataquei novamente e desta vez envolvi minhas garras ao redor do seu torno arfante num abraço mortal. Ela lutou embaixo de mim, revidando o melhor que pode, enquanto eu mordia o seu pescoço. Afundando meus dentes, eu apertei sua traquéia. Quebrando-a eu poderia sufocá-la e eu acreditava que era uma maneira mais delicada, mais humana de caçar, mas de repente, me senti como se eu estivesse sufocando lentamente.
A animação que eu senti enquanto eu caçava se esvaiu e eu fiquei mais
uma vez com o vazio que constantemente ameaçava me consumir. Isso me sufocou e me engasgou, me matando sem pressa da mesma forma como eu estava tirando a vida daquela criatura. Eu abri minha boca e levantei minha cabeça. Sentindo a mudança, o
veado se lançou para o riacho me dando as costas. Quando ela desapareceu no mato, água fria caiu sobre minha pele grossa e por um momento eu desejei apenas poder respirar e deixar para lá. Deixar de lado minhas memórias. Deixar de lado minha decepção. Deixar de lado meus sonhos.
Se ao menos eu acreditasse que a morte seria tão amável.
Aos poucos, eu fiz meu caminho para fora do riacho. Minhas patas
estavam tão cheias de lama quanto meus pensamentos. Desanimado, eu balancei a água da minha pele e fui inutilmente tentando tirar a lama entre minhas garras quando ouvi a risada de uma mulher.
- Essa foi a caçada mais patética que eu já vi. - Ela zombou.
Eu joguei minha cabeça para cima e vi Anamika agachada no galho de
uma árvore, o arco dourado no seu ombro e a aljava amarrada às suas costas.
Eu resmunguei baixinho, mas ela ignorou a advertência e continuou a
fazer comentários.
- Você escolheu a criatura mais fraca na floresta e você não pode abatê-la. Que tipo de tigre você é?
Ela agilmente pulou do galho grosso. Anamika usava seu vestido verde e
enquanto ela caminhava na minha direção, eu fiqueimomentaneamente
distraído por suas longas pernas, mas depois ela abriu a boca novamente.
Ela colocou as mãos na cintura e disse:
- Se você está com fome, eu posso abater a sua refeição para você, já que é muito fraco para fazer você mesmo.
Resmungando, eu virei de costas para ela e fui em outra direção, mas ela rapidamente me alcançou, acompanhando a minha velocidade mesmo quando eu corri por entre as árvores. Quando eu percebi que não havia nenhum movimento dela, eu parei e mudei de forma.
Como homem, eu virei para ela e gritei aborrecido:
- Por que você insiste em me seguir, Anamika? Não é suficiente que esteja preso com você dia após dia?
Ela estreitou seu olhar.
- Eu também estou muito presa - Ela rolou a palavra por toda a
língua, já que era muito nova para ela. - aqui com você assim como você está comigo. A diferença é que eu não desperdiço minha vida ansiando por algo que
nunca terei.
- Você não sabe nada sobre o que eu anseio!
Ela levantou uma sobrancelha para o que eu falei e eu sabia o que ela
estava pensando. Na realidade, ela sabia tudo o que eu ansiava. Ser o tigre de Durga significava que nós dois compartilhávamos um vínculo, uma conexão mental que nos ligava cada vez que assumíamos a forma de Durga e Damon.
O poder não lhe interessava, o que realmente fez dela a escolha perfeita para governar como uma deusa. Ela nunca abusou das armas ou usou o Amuleto de Damon para fins egoístas. Isto era algo que eu admirava nela, embora nunca admitisse.
Havia outras coisas que eu percebi que me fizeram respeitá-la nos
últimos seis meses. Anamika era justa e sábia em resolver disputas, sempre pensava nos outros antes de si mesma e ela empunhava as armas melhor do que a maioria dos homens que eu conhecia. Ela merecia um companheiro que a
apoiasse e ajudasse a tornar o seu fardo mais fácil. Isso supostamente deveria ser o meu trabalho, mas em vez disso, muitas vezes eu chafurdava em auto-piedade.
Eu estava prestes a pedir desculpas quando ela começou a apertar
meus botões novamente.
- Acredite ou não, eu não estou te seguindo para tornar sua vida
desagradável. Estou simplesmente garantindo que não se machuque. Seus pensamentos estão constantemente distraídos, o que significa que você coloca seu bem estar em risco.
- Me machucar? Me machucar! Eu não posso ser ferido, Anamika!
- Se machucar foi tudo o que você tem feito nos últimos seis meses,
Damon. - ela disse mais calmamente. - Eu tentei ser paciente com você, mas você continua a exibir isso, essa...Fraqueza.
Com raiva, eu me aproximei dela e enfiei um dedo no ar próximo ao seu
nariz, efetivamente ignorando quase não perceptível pelo pó, mas ainda
atraentes, sardas e os grandes cílios de seus olhos verdes que poderiam fazer um homem se perder.
- Vamos esclarecer algumas coisas, Anna; em primeiro lugar, o que eu sinto é negócio meu e, segundo - Eu parei depois que eu ouvi ela puxar a respiração. Preocupado que eu poderia assustá-la, eu recuei um passo e parei de gritar. - Em segundo lugar, quando estamos em público, eu sou Damon, mas quando estamos sozinhos, por favor, me chame de Kishan.
Virei as costas para ela, levei minha mão para o tronco de árvore próxima e deixei o fogo da raiva que ela sempre trazia a tona enfraquecer e se tornar brasas mortas e fumaça. Concentrando em desacelerar minha respiração, eu notei sua aproximação até que eu senti a sua mão no meu braço. O toque de
Anamika sempre me causava um formigamento quente pela minha pele, uma parte da nossa conexão cósmica.
- Eu sinto muito... Kishan. - ela disse. - Não foi minha intenção irritar você ou trazer suas emoções voláteis à superfície.
Desta vez seus comentários irritantes não me incomodaram. Em vez disso, ri secamente.
- Eu vou tentar lembrar de manter minhas "emoções voláteis" contidas.
Nesse meio tempo, se você importunar o tigre ele pode não pensar duas vezes em lhe mostrar seus dentes.
Ela me estudou em silêncio por um momento, em seguida, passou por
mim, voltando para nossa casa com uma expressão dura. O som suave dos seus murmúrios desapareceu enquanto ela se movia por entre as árvores, mas ainda peguei a frase: "Eu não tenho medo dos seus dentes."
Eu senti culpa por deixá-la voltar para casa sozinha, mas eu notei que ela usava o amuleto de Damon e sabia que não havia nada nesta terra que poderia
prejudicá-la.
Quando ela se foi, eu me espreguicei e me perguntei se eu deveria
voltar para casa que nós compartilhávamos, compartilhar era um termo relativo, ou se eu deveria passar a noite na floresta. Eu tinha acabado de encontrar um bom pedaço de grama para dormir e descansar o meu corpo, quando senti a presença de outra pessoa. Quem estaria aqui? Um caçador?
Anamika teria voltado?
Lentamente, eu circulei, fazendo de pouco a nenhum som e quando eu
tinha terminado de circular, eu pulei para trás, meu coração batendo em
choque. Um pequeno homem estava diante de mim, como se tivesse surgido do nada, o que ele provavelmente tinha feito. O luar brilhou em sua cabeça careca
e, quando ele se moveu, suas sandálias esmigalharam a grama. Nós não tínhamos visto o monge desde aquele dia fatídico em que eu dei a minha noiva, a garota que eu amava mais do que a vida, para o meu irmão. O dia em que vi meus sonhos, minhas esperanças e meu futuro saltar através de um turbilhão
de chamas e desaparecer, extinguir como uma lâmpada que fica sem óleo.
Eu estava vazio desde então.
- Phet - eu disse simplesmente. - O que o traz para a minha versão
do inferno?
O homem agarrou o meu ombro e olhou para mim com seus lúcidos
olhos castanhos.
- Kishan - disse gravemente. - Kelsey precisa de você.

Tiger's DreamOnde histórias criam vida. Descubra agora