- Já sabe o que vai apresentar hoje de noite? – Pergunta Marcelo assim que nos encontramos no corredor da escola.
- Vou recitar um poema que escrevi – respondo conseguindo (acho) disfarçar o meu nervosismo.
- Uhhh, é romântico?
- Claro que é, como você espera que eu declare meu amor por você na frente de todos, com um poema de horror? – respondo rolando os olhos e empurrando ele para o lado.
- Faria mais sentido – diz ele me empurrando de volta. Continuamos nos empurrando até chegarmos na sala, e fico feliz ao ver que a professora de Português já está na sala, assim não precisamos continuar o assunto. Porque o poema é romântico.
Desde que nossa professora de Artes propôs uma apresentação de cada aluno valendo 30% da nota total do ano na noite cultural da escola, alguns meses atrás, comecei a bolar um plano, que, na hora, me pareceu brilhante. Obviamente, tracei um plano B para emergências, mas trabalhei muito duro no plano A. E no plano A, o “poema” é uma música.
O caso é que gosto de música. Tipo, pra valer. Assisto a vários vídeos que falam sobre o assunto, acompanho os lançamentos do mundo pop, as críticas especializadas e a de youtubers não tão especializados assim. Gosto até mesmo de pesquisar e estudar por conta sobre técnicas vocais e tudo o mais.
Dado esse gosto, topei tocar violão quando minha mãe se ofereceu para pagar aulas. Aí quando me perguntam se toco, dou de ombros e digo que “Sim, porque a mãe pediu”. Tem sempre o pessoal que me zoa, afinal, não é muito normal um garoto de 13 admitir que faz algo só porque a mãe quer. Mas prefiro isso a saberem que toco porque gosto, e ficarem tipo “Toca uma música aí” e acabar descobrindo que não sou bom e nem mesmo consigo tocar na frente das pessoas.
Entre um acorde e outro, testei algumas coisas diferentes, e antes que realmente percebesse o que estava fazendo, eu compus uma melodia. Como gosto de ler, não vou mal no Português, e já estudei bastante teoria sobre, acreditei que poderia fazer uma letra para aquela melodia. As primeiras que escrevi, ficaram simplesmente ruins. Logo disse a mim mesmo que não precisava ficar me judiando com isso, afinal, ninguém saberia do meu fracasso, pois ninguém sabia que eu havia começado aquilo. Larguei daquilo. E eis que algumas semanas depois achei um dos rascunhos e ele não me pareceu tão ruim. Ajustei algumas partes e voialà, eu tinha minha primeira música.
Entre as aulas, curso de inglês e jogos de futebol, eu segui assistindo vídeos no Youtube, escutando e compondo músicas. Mesmo sem refletir muito sobre o assunto, eu meio que aceitei que nunca iria realmente mostrar minhas músicas para alguém. Me expor parecia absurdamente desnecessário. E estava bom do jeito que estava. Falar das minhas músicas preferidas com Marcelo e minha mãe (que não entende nem se entusiasma com o assunto, mas é ótima ouvinte), tocar violão com o meu professor e compor em segredo era suficientemente bom. Bem, mais ou menos. No fundo, bem lá no fundo – ok, nem tão no fundo – eu meio que queria que as pessoas soubessem. Mas simplesmente não conseguia me imaginar simplesmente chegando em alguém e dizendo “Compus uma música, quer ouvir?”. As perguntas de “Como?”, “Onde?” e – a pior de todas – “Por quê?” me deixariam encabulado e a simples projeção hipotética delas em minha mente, e as respostas, já me deixavam com um mal-estar. Dizer que estava pensando em compor algo, ou que já estava compondo, estava absolutamente fora de questão. Não tinha a menor vontade de gerar expectativa, pois não saberia como lidar com a decepção em cima de algo que eu realmente gosto de fazer.
Assim, quando surgiu essa tarefa escolar, eu achei que era a oportunidade que eu precisava para mostrar o que estava fazendo. Se as pessoas não gostassem, eu poderia largar um “Ah, mas a professora vai considerar algo” como se tivesse feito a música só para passar na matéria e tudo bem. Claro que ficaria aborrecido, mas além de poder fazer de conta que não era tão importante, não haveria toda a expectativa gerada. Caso gostassem.... Bem, não sabia exatamente como lidar com aquilo.
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COMPROMISSO
Short StoryRenato é um garoto de 16 que tem um segredo: ele compõe músicas. Agora ele tem a oportunidade perfeita de revelar esse segredo, mas está com medo da rejeição e escárnio. Será que ele terá coragem de se comprometer com ele mesmo?