Um breve romance

160 12 2
                                    

O sol daquele meio de tarde era quente e a brisa do outono carregava consigo o perfume das flores do jardim próximo trazendo um perfil único àquela paisagem urbana em meio ao caos da cidade. Eu subia pela Capitão Silva Borges devaneando em meus pensamentos, vivia com a cabeça nas nuvens de uns tempos pra cá e não me importava de mudar esse estado. Estava na altura de uma creche chamada de Lar das Crianças, nome estranho para uma creche a meu ver, já que o lar das crianças era a casa onde elas moravam e não onde ficavam a tarde para que as mães pudessem trabalhar ou fazer qualquer outra coisa rotineira.

Olhava distraído para as imagens dos Smurfs, aqueles minúsculos duendes azuis dos desenhos animados pintados na parede lateral da creche quando algo inesperado chamou-me a atenção. Era uma nota de dez reais novinha caída no chão da calçada por onde eu passava. Não era lá muito dinheiro, mas era o bastante para um bom lanche ou um refrigerante e normalmente eu não tinha sorte em achar nem mesmo tampinhas de garrafa pelo caminho onde passava. Agachei-me e peguei a nota sentindo a suavidade do papel liso e novo, como se houvesse saído do banco não tinha poucas horas. De imediato me veio à cabeça que a pessoa que houvesse perdido poderia estar por ali procurando e olhei em volta para verificar se havia mais alguém naquela calçada como eu. Ironicamente mantive a nota em minha mãos, esquecendo-me de enfiá-la no bolso da bermuda e caso encontrasse o dono procurando por ela, fazer cara de quem não sabe de nada e negar que a havia encontrado.

Para minha surpresa, uma garota aparentando ter dezesseis ou dezessete anos estava há poucos metros de mim e não sei se me encarava ou se encarava a nota em minhas mãos. Aproximou com um sorriso envergonhado e disse que havia acabado de perder o dinheiro e que não sabia o que mais dizer. Também sorri, em parte envergonhado, pois me sentia como se tivesse sido flagrado bem no momento em que tinha a intenção de esconder a cédula, em parte porque a garota me parecia bastante atraente, ainda que tivesse metade da minha idade.

Era uma jovem morena, de pele bem clara e cabelos negros como um céu noturno, lisos e compridos até o meio das costas, brilhantes e ainda que não tivesse lhe tocado aparentando serem sedosos e macios. Tinha olhos escuros, com um brilho que poderia encantar mesmo um coração frio e distraído como o meu e sobrancelhas finas e feitas com o mesmo capricho que parecia ser toda sua produção. Os lábios eram carnudos e estavam coloridos com um batom vermelho claro que fazia se destacar diante de sua pele. Tinha um sorriso que me fazia desejar ficar ali a apreciando pelo restante daquela tarde. Devia ser um pouco mais baixa que eu, talvez com um metro e sessenta e cinco ou pouco mais e era fofinha, dessas meninas com coxas grossas, bumbum e seios grandes e que a maioria chama delicadamente de fortinhas ao passo que muitos expressam deliberadamente a afirmação de gordinhas mesmo. De qualquer maneira era um perfil que me atraía e enquanto ela sorria as polpas das maçãs de seu rosto se avermelhavam e me encantava.

Aproximei-me mais e estendi a mão, devolvendo-lhe o dinheiro. A mesma me disse que não sabia como agradecer, pois se não o encontrasse ia ter de explicar para a mãe o que havia acontecido e não estava disposta a dar essas explicações. Aproveitei a oportunidade para cortejá-la, afinal de contas não se tratava de uma criança, era uma menina adolescente e julgando-se pela produção deveria ser frequentemente assediada e se cuidava com capricho para manter as coisas assim. Disse-lhe que não me importava de devolver o dinheiro, estava na verdade mais satisfeito em devolver o dinheiro e ter o prazer de encontrá-la do que se tivesse ficado com o dinheiro e não a tivesse em meu caminho naquele momento. Ela sorriu ainda mais e me disse que eu era galanteador e que estava feliz com isso, por encontrar o que havia perdido e por eu ser simpático com ela.

Arrisquei a sorte e me aproximei ainda mais, o vento soprou mais forte e seus cabelos se mexeram de leve, pois estavam molhados me fazendo notar, também pela fragrância do xampu que usara, que ela havia há pouco saído do banho. Toquei sua face com a mão direita e deixei que meu polegar lhe acariciasse a maçã vermelha que tinha. Para minha felicidade e surpresa a jovem sorriu ainda mais satisfeita e deitou de leve sua cabeça em minha mão dizendo ainda que fora muito bom que houvesse me encontrado. Instintivamente perguntei-lhe seu nome e se ela tinha namorado. Pensei em perguntar sua idade e acabei decidindo que era melhor que não, em certos diálogos perguntas acabam sendo trocadas e uma vez que perguntasse ela poderia devolver a pergunta e não estava interessado em responder de volta, eu aparentava ter bem menos do que tinha, fosse por minha aparência, voz ou jeito de agir e poderia ser facilmente confundido como se tivesse menos de trinta. Não que eu quisesse a enganar e tirar proveito da situação, mas porque não queria estragar aquele momento diante daquele pequena princesa que surgira em meu caminho no meio daquela tarde de sexta-feira.

Aquele fim de tarde...Onde histórias criam vida. Descubra agora