O peixinho de escamas dourados emergiu sua cabeça da superfície aquosa, do lago de um azul brilhante, onde ele morava. O lago límpido tinha o fundo intrincado por veias luminosas devido o sol que incidia forte contra a movimentação ondulante da água.
Milhares de peixinhos nadavam para lá e para cá, mas apenas um olhava para cima e virava a cabeça para o lado, para que os olhos afastados pudessem ver a paisagem.
Milhares de humanos se espalhavam ao longo da extensão de um vale de grama verdejante. Brincando, pulando, conversando; os peixinhos, no entanto, não podiam entender a linguagem humana, pois ouviam somente tilintares, as vezes quase um rosnado.
Quando as crianças humanas se aproximavam, todos os outros peixes corriam para seus esconderijos no vão formado por pedras amontoadas uma ao lado da outra, no entanto, ele permanecia com a cabeça erguida, corajoso e orgulhoso, os lábios fartos tentando formar palavras significativas.
Se ao menos pudesse ser entendido pelos humanos.
Às vezes, muitas vezes até, desejava ser humano. Mas isto era algo que permanecia no segredo de seu pequeno coraçãozinho de peixe.
Ele olhou para si mesmo. O corpo viscoso era coberto por escamas de uma tonalidade muito forte de dourado, amarelo e laranja, que possuíam um reflexo de arco-íris translucido banhando-as por cada centímetro. As barbatanas eram de um tecido fino, os flancos levemente amarelos batiam para frente e para trás sem parar, assim como a cauda bifurcada, também de uma cor muito intensa e radiante, com a ponta esbranquiçada.
Ele via o próprio rosto refletido nos olhos negros de alguns humanos que passavam para olha-lo; via a boca generosa tomando conta quase de toda a face, os olhos nas laterais do rosto e queiras que abriam e fechavam para filtrar a passagem da água. Na cabeça havia uma leve protuberância, que se destacava no porte pequeno do corpo; era o contraste que fazia com que a protuberância parecesse uma grande bolha inchada na testa, como se o interior de sua cabeça estivesse inflamado ou ele de qualquer forma enfermo.
Mas os humanos pareciam muito mais instigantes. Dentro da água, eles eram apenas manchas aquosas, por isso ele botava a cabeça para fora sempre que podia, vendo-os como realmente eram. Talvez fosse a perspectiva dele em relação a um lugar no nível do chão, mas eles pareciam simplesmente colossais. Se levantassem o braço, poderiam tocar o céu.
O céu não era muito diferente da água. Às vezes, sua imagem reverberava no lago, e ele nadava pela região, imaginando a si mesmo voando livremente pelo céu.
...
Num certo dia, onde a brisa morna de verão farfalhava os galhos que formavam os cimos das árvores, um menino humano veio até si. Ele tinha cabelos claros, loiríssimos, quase da cor de palha, chegando a um branco onde fora pingado uma única gota de um amarelo bem suave. Os fios da franja caiam por seus olhos, que quase não podiam ser vistos, mas eram suaves e estavam semicerrados devido o raio de sol que vinham até seu rosto e iluminava sua face com traços cintilantes, da cor da pedra opala, como se ele fosse um vitral. Os olhos lhe analisavam com tanta avidez que pareciam ter uma consciência separada e indiferente ao do rapaz, que não expressava o mesmo que sua região ocular; apenas o próprio analisado podia perceber está discrepância, pois o peixinho também olhava bem para sua face e podia ver a sobreposição de diversas emoções naquela face, como se uma foto fosse sendo colocada acima de outra, sobrepujando a anterior, mas não a fazendo-a desaparecer, apenas a mascarando temporariamente.
Suas roupas eram largas e pareciam muitos quentes para aquele dia.
O humano retirou o moletom amarelo, revelando dois braços de pele alva, mas coberta por desenhos negros de silhuetas de todas as sortes de peixes, fazendo parecer que eles nadavam pela superfície epidérmica, como um lago de água pálida e leitosa. Dentro do bolso da peça de roupa ele retirou uma sacola transparente.
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O menino solitário e um peixinho
Short StoryO menino foi até o lago para pegar um peixe e mitigar a solidão que enfrentava na casa e no trabalho, mal sabendo que instigava no peixinho a vontade de ser um humano.