Capítulo 1 (único)

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 "Que noite chata!", pensou Diego, com as mãos na cabeça. É final do segundo mês de "quarentena" (ou deveria ser) e Diego só pensa em como está tendo mais um fim de semana arruinado pela doença do ano – e provavelmente da década: a maldita COVID-19. A essa altura, Diego já fez tudo que sentia que estava a seu alcance, desde se isolar por completo até fazer doações constantes para ONGs que conhecia. Ao mesmo tempo, Diego sente, ao assistir mais um noticiário noturno, que não está sendo suficiente. Pior, está se sentindo um otário por ficar em casa enquanto várias pessoas saem por aí como se nada estivesse acontecendo. Em seu apartamento num bairro comum da cidade de São Paulo, o jovem adulto de 25 anos se joga no sofá e respira fundo.

Olhando para o teto, com as mãos na cabeça, Diego pensa no que fazer para passar o tempo. São 22:17 no relógio na parede. Poderia ver um filme, mas já tinha quase esgotado o catálogo da Netflix e seu período de testes na Amazon Prime acabara no dia anterior. Poderia ler um livro, mas sua mente não está tão disposta. Ele sente fome, mas não consegue pensar em algo legal pra cozinhar (será que tem alguma coisa congelada no freezer?). Em poucos segundos, ele aniquila todas as possibilidades de distração para a noite e seu corpo afunda um pouco mais no sofá.

Pega o celular. "Tô com uma fome desgraçada mas não tenho psicológico nem pra cozinhar." - ele posta em seu Twitter. Desliza o dedo pela tela por alguns minutos, acompanhando notícias e memes aleatórios, mas esse tipo de distração lhe é vago e inútil no momento. Então Diego decide levantar-se e olhar o céu. Atravessa a sala em dois passos, já que seu apartamento não é tão grande assim, e vai para a varanda, onde o vento o atinge com certa delicadeza. Diego observa a noite – o céu com poucas nuvens, as luzes da rua acesas, alguns carros, motos e uma ou outra alma viva. Em um dos outros prédios, alguém aparentemente curtia uma festa sozinho (ou espera-se, pelo menos). Luzes de balada, som baixo para não quebrar a regra de condomínio, um cachorro correndo de um lado pro outro. Diego força a vista para tentar ver a "festa" e identifica um casal dançando na sala de estar, bem perto da varanda. Sente uma pontinha de inveja pelo privilégio do casal estar junto nesse período – mas, sinceramente, entre estar sozinho e estar com sua ex, ele prefere estar sozinho.

Não que Helena fosse uma pessoa ruim, longe disso. Mas foi justamente tentando morar juntos que eles perceberam que não tinha como serem um casal por muito tempo. E foi bom terem tomado essa decisão logo, porque facilitou a ida de Diego para São Paulo. Bom, parte dele deseja estar em Campinas, ao lado dos pais e do irmão mais novo, mas teve de ficar na "cidade grande" pra manter o trabalho em home office. Pensando na família, em Helena e outros amigos que deixara no interior, Diego imagina se eles também estariam em festa, a sua própria maneira. E pensa se ele mesmo não poderia dar uma festa para si, mas só de pensar, vê que não tem ânimo pra isso. Só tem fome, cansaço e tédio. Muito tédio.


Diego volta para a sala e fecha a varanda. Indo pra cozinha, logo ao lado da porta do apartamento, ele sente a barriga roncar cada vez mais alto. Abre a geladeira, esperançoso, mas só encontra um pote de margarina e algumas frutas. Ele realmente não tinha percebido que só tinha comida pro almoço daquele dia. No congelador, só encontrou um pote de sorvete (sorvete mesmo, sem feijão dentro) e algumas ervas de tempero. Não conseguiu achar nada que servisse pra janta, então pensou em pedir comida por delivery. O quê pedir? Ele encostou na beira da pia e começou a pesquisar. As taxas de entrega estavam absurdas. Respirando fundo, Diego sente que está perdendo o controle da situação. E ele não gosta nem um pouco dessa sensação.

Seu corpo começa a reagir – um pouco pela fome, e um pouco pela ansiedade. Diego vê a cozinha ficando menor e aperta a beira da pia com a mão, como se ela o fosse impedir de cair de uma vez no chão. Com as forças que ele consegue reunir, se move rapidamente até a geladeira de novo e pega uma banana – não é uma janta, mas dá pro gasto.

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