Capítulo 4

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Não queria acordar.

Passei a noite anterior lembrando da discussão com Mateu e tentando entender como ele podia ser tão burro pra gostar de mim. Eu tinha certaza de que nunca havia dado a idéia errada. Nosso relacionamento – se é que eu podia chamar encontros esporádicos de relacionamento – não chegava a ser nem de amizade. Ele era um chato que, às vezes, eu gostava de conversar.

Minha surpresa maior foi com minha falta de atenção. Buscando meus erros encontrei as pistas do que ele sentia. O jeito que me olhava, a forma como sorria e como estava sempre ali, disponível pra mim. Sua insistência em me elogiar – e só agora eu sabia que era um elogio – e como se desdobrava pra me fazer sorrir.

Como eu nunca percebi?

Depois de muito tempo cheguei à conclusão que não é só o amor que nos deixa cegos, são as nossas convicções. Eu não sentia nada por Mateu e isso me fez acreditar que ele também não sentia nada por mim. Eu amava meu pai e acreditei que minha mãe o amasse tanto quanto eu. Quis tanto ser escolhida para a Seleção que não pensei realmente no que faria se fosse descartada.

Todas essas realidades me atropelavam e eu não conseguia me levantar.

Literalmente.

- Acorda Brita, acorda! – Oliver pulava em cima da minha cama, às vezes pisando em minhas pernas.

- Sai daqui! – gritei o mais forte que minha voz grogue permitiu.

- Se. Você. Não. Acordar. Quem. Vai. Vir. É. A. Mamãe – sua voz irritante emitia uma palavra a cada pulo.

Propositalmente puxei minha perna fazendo-o cair. Diferente do que eu esperava ele caiu sentado e rindo.

- Inferno! – joguei as cobertas para longe de mim e empurrei Oliver pra fora da minha cama com o pé. – Sai do meu quarto!

Com toda força que consegui juntar joguei meu travesseiro em Oliver. Para minha felicidade o acertou em cheio. No minuto seguinte me arrependi; não queria machucá-lo. Mas para meu alívio Oliver só me apontou uma língua pequena numa tentativa de me ofender e saiu correndo pelo corredor.

Na próxima eu machuco.

                                                               ∙∙∙∙∙ 

Fui para a Fábrica com a desculpa de que precisava buscar alguns documentos para terminar de fazer o comparativo de gastos e receitas do mês anterior. Mentira. Eu não aguentava era o clima dentro de casa.

Começando com a hiperatividade de Oliver. Sua mania de perguntar tudo, sua incessante energia que não o deixava ficar parado sequer um segundo e principalmente suas piadas irritantes me faziam querer arrancar meus cabelos.

Minha mãe me olhava de esguelha, pelos cantos, como quem espera uma oportunidade para se aproximar. Ela devia estar pensando que agora, depois de eu não ter sido escolhida, poderíamos apagar o passado.

Só que não ia acontecer.

O mais sufocante, no entanto, era a reação do meu pai. Na verdade, a não-reação do meu pai. Ele não falara comigo sobre o assunto após nosso encontro com Mateu. Na verdade, é como se aquilo nunca tivesse acontecido. Ele sequer me olhava. Sua seriedade voltara e novamente ele estava escondido na garagem fazendo coisas que pareciam nunca acabar. Pela primeira vez em muito tempo eu não sabia o que estava se passando em sua cabeça. Ele estaria chateado porque não consegui entrar? Ou talvez achando que, agora que não passei, foi um erro ter confiado em mim? Estaria decepcionado com ele mesmo por ter acreditado que eu conseguiria? Desapontado porque realmente acreditou em mim e, como eu, não pensou na possibilidade de eu não conseguir?

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