Capítulo 8 - Alfredo - Parte 1

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Alfredo 

Dom Aldo caminha em volta do soldado. Sentado na cadeira com a cabeça baixa, ele luta para não cair no chão. Sangue escorre da sua boca, nariz, e dos cortes em seu rosto.

- Vou perguntar pela milésima vez – o cavaleiro diz. – Onde você estava naquela manhã?

O soldado balança a cabeça e resmunga algo incompreensível. Alfredo não entende o porquê da insistência de Dom Aldo. O soldado contou a mesma versão diversas vezes, enquanto ainda conseguia articular suas palavras. Na manhã em que o Príncipe Fernando foi assassinado, seu turno havia acabado de terminar. O soldado estava em seus aposentos, trocando de roupa e preparando-se para dormir. Há registros da troca de turno. Diversas testemunhas o viram caminhando em direção aos seus aposentos.

- Mesmo que ele não tenha participado, ele pode ter sido cúmplice – Dom Aldo disse a Alfredo após o aprendiz ter insistido em interromper o interrogatório. – Não podemos confiar em ninguém neste castelo.

Alfredo sabe que não se pode confiar em ninguém no Punho do Imperador; mas se há alguém que deva conduzir os interrogatórios, esse alguém não é Dom Aldo. Alfredo não contou para ninguém sobre o que viu, mas ele não se esqueceu da mancha de sangue no manto do cavaleiro, que ele prontamente rasgou para evitar que alguém visse.

Alfredo já perdeu a conta de quantos soldados foram interrogados hoje. Trinta? Cinquenta? É difícil saber. Trancado nos calabouços escuros do Punho, é difícil até mesmo saber exatamente há quanto tempo eles estão aqui. Ele acha que não passou de um dia, mas ele pode estar errado. A luz do sol não chega neste lugar. É impossível saber se lá fora é dia ou noite.

Desde o assassinato do Príncipe, Dom Aldo tem exigido a presença de Alfredo a todo momento.

- Preciso de alguém jovem e inteligente para me ajudar nas investigações – ele disse ao Irmão Humberto, justificando a necessidade da presença constante do jovem aprendiz. – A tese dele pode esperar.

Alfredo não se importaria em ajudar, e ele não ligaria em atrasar sua tese, não fosse pela sua suspeita de que os motivos de Dom Aldo não são exatamente aqueles que o cavaleiro alega ser. Ele quer manter Alfredo por perto para ter certeza que ele não vai abrir a boca para a pessoa errada.

Não que Alfredo fosse abrir a boca para alguém, caso tivesse a oportunidade. Ele é esperto o suficiente para saber como funciona o jogo. Lorde Roberto Feros, pai de Dom Aldo, é um dos homens mais poderosos do Punho. Junto com outros nobres, como os Lordes Dario e Glad, assim como os principais Barões, liderados pelo Senhor Miro Soto, Lorde Feros participa ativamente no governo do Império, aconselhando o Imperador em assuntos importantes.

Se Alfredo falasse para alguém da sua suspeita sobre Dom Aldo, duas coisas poderiam acontecer: ou Lorde Feros poderia contestar seu testemunho e pedir a sua cabeça, ou algum Lorde tentaria utilizar a situação para derrubar Lorde Feros, causando uma guerra dentro do Punho. As duas opções seriam desastrosas, e nenhuma delas resultaria na resolução do assassinato do Príncipe Fernando.

Para piorar a situação, todos os dias o Conselho dos Barões pressiona o Conselho dos Lordes e dos Eruditos para que aceitem a sucessão de Lorde Lucas. Se o Príncipe João morreu na traição do Ninho, de fato Lorde Lucas é o único herdeiro. Mas Lorde Dario é orgulhoso demais para aceitar isso.

- Por que não recebemos a cabeça do Príncipe João também? – Lorde Iras questionou em uma das reuniões dos Três Conselhos, após Lorde Dario relatar os boatos sobre uma possível fuga do Príncipe. – Eles nos enviaram a cabeça do Imperador, mas esqueceram de nos enviar a do herdeiro? Não! Eles deixaram Príncipe João escapar. Ele pode estar a caminho do Punho neste exato momento!

O Ninho é praticamente impenetrável, por dentro e por fora. Todos sabem disso. Mas há vulnerabilidades. Se há alguém capaz de se aproveitar dessas fraquezas, esse alguém é Dom Eduardo.

Quando Alfredo perguntou sobre o que Dom Aldo achava de tudo isso, o cavaleiro resmungou algumas palavras e logo desconversou.

- O que importa? – ele disse. – Se o Príncipe João estiver vivo e voltar, como vamos ter certeza que alguém não vai assassiná-lo, como fizeram com o seu irmão? Nós temos que nos concentrar em achar esse assassino.

Alfredo concorda, mas ele não acha que os métodos de Dom Aldo vão levar a algum lugar.

O soldado interrogado começa a cambalear na cadeira. Em breve, ele não terá mais forças para se manter acordado e consciente.

- Talvez devêssemos parar um pouco, Dom Aldo – Alfredo sugere. – Este rapaz não vai aguentar por muito mais tempo.

- Isso é um problema dele – diz o cavaleiro. Ele soca o rosto do soldado. Dessa vez, ele quase cai no chão. – O que aconteceu naquela manhã? Explique-me como é possível que alguém tenha entrado na Torre do Imperador armado!

Você poderia ter entrado na Torre do Imperador armado, Alfredo pensa. Na verdade, você entra na Torre do Imperador armado todos os dias.

Dom Aldo golpeia o soldado de novo, que desta vez cai no chão, desacordado.

- Maldição – o cavaleiro resmunga. – Com soldados frouxos que nem este, não é de se surpreender que o Príncipe tenha sido morto. Bando de inúteis!

O cavaleiro deixa a cela, esfregando o seu punho enquanto anda. Alfredo o segue com passos apertados.

- E agora, Dom Aldo? O que você pretende fazer?

O cavaleiro nãoresponde. Ele continua andando a passos largos pelos corredores frios e escurosdo calabouço. O som metálico de sua armadura ecoa por todo o lugar. Ele sobe asescadas para o térreo e Alfredo respira aliviado. Ele não via a hora de sair docalabouço.

Das Cinzas da Era PerdidaOnde histórias criam vida. Descubra agora