Ela sempre foi diferente 3

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Ela levantou, escovou os dentes, penteou os cabelos, partindo no meio e fazendo uma trança, estavam compridos demais. Por ela, cortava bem curtinho igual à amiga Claudinha, mas sua mãe não deixava.

Dona Raimunda gostava da filha com cabelos compridos, dizia que ela parecia uma mãe d'agua, daquelas que encantava os homens com suas cantigas, levando-os para o fundo do rio.

À tarde elas sentavam-se na calçada, e a mãe penteava os longos cabelos negros da filha. Gi adorava essas tardes com a mãe, carinho nos cabelos, ela até cochilava. Mas se fossem mais curtos, ela ia gostar, porque havia dias que tinha preguiça de pentear, como naquele momento. Prendeu as duas tranças com um elástico e saiu.

– Vai aonde? – perguntou a mãe.

– Na Claudinha, ora!

– Não vai tomar café? – perguntou a mãe, mas ela não respondeu, já tinha saído.

Naquela manhã, ela amanhecera com outras intenções, pensou em dar um beijo no irmão da amiga, por isso escovou os dentes duas vezes. Chegou na casa da Claudinha e não gostou do que viu, tinham duas meninas muito sorridentes, e ele também. Ela parou na porta e ficou observando até que ele a visse. Ele parou de rir e tratou de atender as duas. Ele sorriu, e ela nem ligou, entrou e foi direto para o quarto da Claudinha, pulando em cima dela, que ainda dormia.

– Porra, Gi, você ainda vai me matar, e se alguém morreu eu não vou!

– Olha a boca, sua mãe vai enfiar uma barra de sabão para lavar sua boca suja.

– Olha quem fala! Mas quem morreu? – perguntou Claudinha indo para o banheiro.

– Ninguém!

Claudinha era mesmo rica, agora ela tinha um banheiro só para ela, nem precisava sair do quarto, o irmão tinha mandado construir.

– Sabe quem está com seu irmão?

– Sei. Deve ser as duas rameiras, filhas da Maria da Luz, elas vivem aqui agora. Mãe já falou que daqui a pouco elas estão aqui dentro.

– E tu vai deixar? – perguntou ela pensativa.

– Eu não tenho nada com isso, a vida é dele, ele que se vire. Tá com ciúmes? – falou Claudinha, desconfiada.

– Eu!? Tá louca? Já falei que não gosto dele.

– Não quero mais que case com meu irmão.

– Por quê? – perguntou sentando na cama.

– Eu vou contar, mas não é pra ficar com ciúmes. Ele tava lá debaixo da goiabeira com a filha do seu Sebastião, da Maria...

– A Dinha? Mas ela não é muito pequena? – perguntou Gi com raiva. – É, mas já tem peito – Claudinha falou dando de ombros.

Voltou para casa meio desolada. – Foi melhor assim – pensou ela, se deitando e se enrolando, ficando igual a um casulo. Talvez ela fosse mesmo uma lagarta num casulo, prestes a virar uma linda borboleta.

Estava penteando os cabelos quando ouviu a voz da dona Maria do Carmo. E ela só ia lá para fofocar da vida de algum vizinho ou avisar sobre a morte de alguém, dos nascimentos. Ela não perdia tempo, nascia tanta gente naquele lugar que teria que ficar o dia inteiro avisando. Não deu importância.

– Raimunda, Raimunda – gritava ela.

– O que foi, muer!?

– Fiquei sabendo que chegou um automóve na casa do Galego. Tão dizendo que é o filho sumido – disse dona Maria do Carmo.

Ela sempre foi diferente 3Onde histórias criam vida. Descubra agora