Ela acordou com a conversa da mãe com a vizinha dona Maria do Carmo, colocou os cabelos atrás da orelha para ouvir melhor. A mãe dizia:
– O marido da Maria das Dores morreu.
– Oh, Meu Deus! Coitada dela! – disse a vizinha Maria do Carmo – continuou – pobre coitada, e agora como vai ser? Eles não têm um filho que possa cuidar dela!
– É mesmo, coitada – disse a mãe dona Raimunda.
– E ele morreu de quê? Nem sabia que estava doente. Foi daquela doença ruim, foi? – perguntou a vizinha Maria do Carmo.
– Parece que sim, mas tu sabe que essa doença é assim, não avisa – disse a mãe, dona Raimunda.
– É verdade! – concordou dona Maria do Carmo.
Ouvindo a conversa, seu coração saltitou de alegria, era dia de festa, muita comilança e alguns goles de cachaça que bebia escondido, e das guimbas de cigarro de fumo de rolo que pegava e fumava com a Claudinha atrás da casa ou no quintal, debaixo do pé de laranja lima, ao lado do grande pé de cuia. Gostava quando a fumaça entrava pelo nariz ardendo os miolos, e quando a cachaça descia queimando a goela. Tirou a rede de um lado e foi enrolando, dando pulinhos. Prendeu a rede no prendedor e se benzeu por estar feliz com a morte do defunto. Quer dizer, ele antes de morrer não era defunto, era apenas seu Raimundo, um homem bom, deixava todo mundo pegar manga, caju e goiaba no seu quintal, menos as meninas que estavam de saia ou vestido. Essas, ele não deixava subir, sempre falava "Imagina se sua mãe chega aqui e está trepada no pé de manga, vestida de saia! O que ela vai pensar com todos esses meninos?" Mas ele nunca mencionava a si mesmo! Era um homem bom, muito bom. Nas festas de São João, fazia o pau de sebo e não tinha cristo que conseguisse subir no pau de sebo do seu Raimundo. As crianças só conseguiam pegar as mangas, bananas, cocos, goiabas e cajus, tudo colhido do seu quintal. Quando o pau de sebo era derrubado, coitado do pobre Raimundo, e agora? Quem faria o pau de sebo impossível de subir? Será que ali não tinha doença boa, todos morriam de doença ruim? Parou seus pensamentos para continuar ouvindo a conversa das duas.
– Maria, o que você vai levar? – perguntou a mãe.
– Ainda não sei, café talvez! Ou posso fazer um bolo de fubá, o que você acha, Raimunda?
– Acho bom. Eu vou fazer um mingau de milho e levar lenha, vai precisar – disse Raimunda, num suspiro triste.
Ela foi até uma caixa de papelão que cobria com uma toalha desbotada que chamava de penteadeira, pegou o pente e penteou os cabelos, se olhando no pequeno espelho de moldura vermelha pendurado na parede. Mas não se demorou como nos outros dias, precisava correr para casa de sua amiga Claudinha, ir para o rio se banhar, se arrumar e irem para casa do defunto.
– Mãe, vou me banhar – gritou na cozinha.
– Não vai comer? – perguntou a mãe. – Quando voltar – respondeu, saindo porta afora correndo.
Sua amiga morava umas três casas da dela, mas parecia que era mais longe. Chegou esbaforida, gritando o nome da amiga.
– Ela ainda está dormindo – disse o irmão atrás do balcão da única venda que tinha no lugar. Ele olhava com uns olhos compridos para ela, que não dava a mínima para ele. Apesar de ser bonito e todas as garotas quererem namorá-lo, ela era a única que gostava dele como amigo, assim como gostava de sua irmã. Não, de sua irmã ela gostava muitíssimo, era sua melhor amiga, sua confidente e vice-versa. Não que elas tivessem muitas confidências para compartilhar.
Naquele lugar, o único evento que tinha eram os velórios e os nascimentos, e como tinha nascimento ali! Mas esses não eram tão divertidos, tinha que ficar calada, entravam no quarto um de cada vez, não podendo demorar. Era bom ver os bebês, eram fofos, quando se podia ver, às vezes ficavam tão enrolados que só dava pra ver os olhos. Coitados, não sei como não morriam de tanto calor. Se benzeu por pensar em morte de bebês, isso não era mesmo divertido e só ia porque a mãe obrigava. Às vezes, chorava escondida da amiga Claudinha. Balançou a cabeça enxotando os pensamentos.