Senhor José Alves de Oliveira Pinto

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Naquela tarde o Sr. José Alves havia se distanciado um pouco mais do sobradão. Ele e um de seus empregados da fazenda sentiram a falta de duas vacas: a "nobreza" e a "realeza". Cada um saiu por um atalho mata adentro subindo a encosta 'a cata dos animais que poderiam estar presos pelos chifres em algum cipó lá no fundão da floresta. Não podiam deixar a busca para outro dia já que por ali já haviam perdido algumas reses que desprotegidas tornavam-se presas fáceis das onças sussuaranas. Ele procurou escalar uma rocha íngreme nos limites do milharal e do alto deu uma busca de olhos perscrutando assim os locais mais inacessíveis. Aquela rocha sempre foi seu ponto predileto de observar o movimento que ocorria bem lá embaixo na estradinha que margeava o pequeno córrego Juquery Mirim. Nada. Nenhum sinal de animal. Percebeu no entanto, um cavaleiro que vinha pelo atalho e entrou na estrada que conduzia até o sobradão. " Quem será?" - se indagou curioso pois não conseguia definir de longe a aparência do visitante. - " Melhor descer , os animais devem estar no outro lado por onde foi o seu Joaquim, vamos ver quem está chegando a essa hora por aqui".
Chegou por detrás do sobradão. Sua esposa estava limpando feijão para cozinhar no jantar.
- Conseguiu encontrar a " nobreza"? - ela perguntou assim que notou seu marido ultrapassando o cercado de arame farpado.
- Nada mulher, o seu Joaquim com certeza irá encontrar lá do outro lado no descampadão. Aprume-se que tá vindo visita.
- Ué? Quem nessa hora?
- "Sei não, mas não é daqui, está carregando muitas bruacas nos dois lados do animal. Deve ser de longe, tarveis alguém pedindo pouso antes de descer a serra até a capital"- respondeu lavando o rosto na bica e assuando o nariz.- " Vou lá no terreiro aguardar a sua chegada. Cadê as crianças?
- O Cesário foi alimentar os porcos no mangueirão e a Floriza está em seu quarto tentando bordar as fronhas de travesseiro que ganhou na semana passada. - respondeu sua esposa atirando os grãos de feijão pro alto com o balanço da peneira.
- Diga prá " Flô" que não quero saber de curioso na janela da sala. Tem café quente?
- Acabei de coar um tanto. Tá no fogão. Deseja que eu sirva na sala?
- Aguarde um pouco uns dedos de prosa, se houver, e quando eu tossir pode levar o café. Compreendeu?
- Sim.
-Uma tossida é apenas um cafezinho. Duas tossidas pode também levar aquele pão que você assou pela manhã. A gente tem que se prevenir pois esse cavaleiro não é de perto.
Ouviram palmas do lado de fora da porteira. Esperaram um tempo mais até que as palmas se repetissem.
Quando o seu José, surgiu na porta do sobradão, o cavaleiro o saudou de longe apeando do animal:
- O de dentro! Bastarde, meu senhor! - falou alto notando que o fazendeiro ultrapassava o terreiro vindo em sua direção.
- Bastarde ! A quem tenho a honra de cumprimentar? - respondeu José Alves sem ainda abrir a porteira.
- Meu senhor, sou Luiz José da Silva, a seu dispor. E vosmece?
- Jose Alves - Está procurando pouso? Está indo prá capital?
- Não meu senhor. - Estou vindo de Ouro Fino, do Estado das Minas, estou a frente de dois mil perus e 500 ovelhas. -respondeu o cavaleiro - E venho pedir vossa autorização prá um pernoite lá embaixo no descampado. Disseram que essas terras são suas.
O seu Jose arregalou os olhos e perguntou dando uma olhada em direção ao sobradão para ver se alguém havia ouvido a prosa.
- Dois mir? Quinhentas ovelhas? Donde? Quanto tempo de tropeio até aqui? Tá levando prá venda na capital? Já conhece essas bandas? Melhor vosmece entrar. Tome um cafezinho a mor de um proseio.
Abriu a porteira dando passagem pro cavaleiro que agora já se sentia bem vindo.
- Obrigado meu senhor, mas carece ser rápido nossa prosa, mor de que a tropa está chegado no entardecer e preciso regressar dando-lhes a sua resposta positiva.
- Adentre então. Amarre seu animal ali no tronco e vamos conversar lá dentro. Fique a vontade.
O cavaleiro amarrou o animal no tronco ao lado da pequena bica...este se desdentou com a fartura das águas vindas da floresta pelas canaletas de pau oco. Ali se acumulavam num velho barril e continuavam até sumir outra vez no meio da mata abaixo da estrada que dava acesso ao sobradão.
Ambos tomaram assento num banco corrido talhado a machado, que ficava ao lado da grande mesa na enorme sala.
- Então vosmecê tá vindo de Minas Gerais, seu Luiz, não é esse mesmo o seu nome?
- Sim senhor, Luiz a seu dispor.- respondeu o jovem cavaleiro -sondando o teto e o corredor.
- O senhor é o proprietário desses perus e ovelhas? É seu primeiro tropeio até São Paulo?
- Não sou o dono não, Sr. José, quem me dera! Sou apenas um capataz de muita confiança do patrão...e essa já é minha terceira tropa até a capital de São Paulo. -respondeu.
- Mas intão...nois nunca vimu vosmecê por essas bandas e nunca vimu essas tropas de perus passar lá por baixo do Juquery Mirim..como pode intão?
- Por mor de que nóis nunca passamu por aqui por suas terras...nois ia lá pela estrada que vai dar na fazenda dos ingleses...
- Ah, o caminho do Bandeirante Fernão Dias? É o trajeto mais usado e mais perto do que esse aqui, mas porque arresorveu mudar o trajeto?
- A mor de que, descer a serra por lá é mais perigoso que por aqui. Aquele trecho de descida de serra possui muitas barrocadas. Muitas curvas e sem espaço prá proteger os perus e mesmo as ovelhas dos ataques das onças. Tropeiros com cargas agrícolas não correm tanto perigo. Na ultima tropa fomos atacados por uma dessas onças famintas. Os perus se dispersaram e muitos desabaram nos abismos , sem falar nas ovelhas.
-Nossa! Intão é isso? Tem como descansar a tropa lá no descampado?
- Tem sim , meu senhor...o terreno lá é bem plano e podemos dar água pras aves e animais. Só por essa, amanhã bem cedo estaremos descendo a serra, já com a tropa descansada e alimentada. O senhor nunca viu uma tropa de perus?

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⏰ Última atualização: Sep 15, 2020 ⏰

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O catador de prosas e um segredoOnde histórias criam vida. Descubra agora