— ESTOU TÃO ENTEDIADO! — Youngjae grita do meio do cômodo, onde deitou alguns vários minutos atrás com os braços e pernas esticados e fingiu que ser uma estrela do mar morta. O resto de nós, meros humanos mortais, apenas arrumamos um lugar onde largar nossas coisas e tentamos, inutilmente, fazer o lugar parecer mais como uma casa e menos como a cela de uma cadeia, o que é claro, funcionou tão bem quanto qualquer coisa que eu e os meninos tentamos fazer.
Youngjae foi o único de nós que nem ao menos se esforçou pra tentar se sentir aconchegado, como se soubesse desde o começo que não teriamos conforto aqui, mesmo se tentassemos muito encontrar, o que eu particularmente acho muito inteligente da parte dele e mostra o quanto na verdade as pessoas cegas neste recinto somos nós e não ele.
— Eu acho que preferia ter ficado em casa assistindo o canal do boi! — Yugyeom resmunga, em concordância com a fala de meu admirável primeiro amor e seu tédio, ao mesmo tempo em que joga raivosamente um saco de dormir que estava ao lado dele na parede do outro lado do quarto, quase acertando Jinyoung no processo, o que eu não sei se foi proposital ou sem querer.
— E eu preferia ter ido assistir o filme do Pelé. — Jackson se joga no chão e imita Youngjae, abrindo os braços e as pernas como uma estrela do mar e fingindo de morto. Segundo Youngjae, ele está fazendo isso porque talvez assim Deus, ou o demônio, percebam que ele está ali imóvel a bastante tempo e pensem que ele morreu, e então, com pena, finalmente levarão a alma dele deste mundo.
— Quem foi que me convenceu mesmo a vir pra esse lugar? — Youngjae pergunta do meio do quarto, decidindo que ninguém vem buscar sua alma não importa o quão imóvel ele fique, e então se senta na posição de lótus novamente. Ele parece incrivelmente chateado, mas todos nós estamos assim também, o que faz com que o semblante dele seja comum, mesmo que na verdade não seja.
— Talvez tenha sido a incrível promessa de que seria como o varão dos sonhos. — Brinco, mas o tom da minha voz sai em puro deboche, não direcionado a ele particularmente, mas ao mundo. Youngjae também percebe que eu não estou debochando dele, então apenas ri da minha frase insatisfeita.
— Ou então a promessa de toda a comida deliciosa. — Ele comenta também, com um tom tão debochado quanto o meu, o que me faz pensar, pela milésima vez, que eu me apaixonei pela pessoa CERTA.
— Quantos dias faltam pra gente poder ir embora? — Yugyeom choraminga, deitando a cabeça nas pernas de Jinyoung como se ele fosse um travesseiro fofinho. Meu amigo apenas olha para ele em silêncio e eu fico esperando o surto de falsa raiva, mas ele não vem, o que eu acho uma Vitória para os gays.
— Muitos. — É tudo o que Mark diz, lá do canto mais afastado do cômodo, onde ele sentou mais cedo para racionar nossos alimentos. Aparentemente ele disse que se nós não cuidarmos bastante da comida, ao invés de durar todo o tempo em que ficaremos aqui, vai durar apenas horas.
— Defina muitos. — Bambam pede, arrumando o lugar do quarto onde ele decidiu que seria a cama dele. Quando eu digo arrumando, na verdade estou sendo bastante generoso, porque a verdade é que ele apenas abriu um saco de dormir no chão e fez um monte embolado de cobertores no meio dele, o que virou uma bagunça, mas devo admitir, parece uma bagunça aconchegante.
— Muitos do tipo: "A gente definitivamente não vai sobreviver até o dia." — Jackson explica, jogando uma bolinha na parede e esperando ela ricochetear de volta para ele, e então ele faz de novo e de novo e de novo, em um looping infinito que parece ser a coisa mais divertida que qualquer pessoa esteja fazendo aqui.
— Espero que meu pai tenha escutado todas as vezes que eu falei sobre o que fazer com meu corpo caso eu morresse antes dele. — Youngjae comenta, como se isso fosse a coisa mais normal do mundo, mas é o Youngjae, certo? Ele é tudo, menos normal. — Seria triste ser enterrado em um cemitério chato e velho ao inves de ter minhas cinzas jogadas no golfo do México ou então em uma praia caribenha quentinha e linda.
— No golfo do México? — Jinyoung pergunta. Acho engraçado que as pessoas nesse lugar sejam tão malucas quanto as outras pessoas malucas, ao ponto de acharem as conversas malucas das outras pessoas malucas, normais. Só prova que são todos loucos aqui, estamos em meio aos nossos iguais.
— Sim, acho um nome bem chique. — Youngjae dá de ombros, explicando um pouco da loucura dele, eu nem presto atenção, nós já tivemos essa conversa em uma das noites em que passamos acordados falando da vida, da verdade e do universo. — Pensa comigo, se um dia você morrer e chegar no céu e alguém perguntar: "Nossa, onde você foi enterrado?", você realmente vai querer falar pra essa pessoa que sua última casa, o lugar onde seu corpo vai descansar pelo resto dos dias, é um cemitério velho e chato onde as coisas são velhas e chatas? NÃO! Você vai querer falar pra elas que: "Ah! minhas cinzas foram jogadas no golfo do México.", o que vai fazer as outras almas pensarem em como você é chique e culto, porque suas cinzas foram jogadas na PORRA DO GOLFO DO MÉXICO!
— Você pelo menos sabe onde fica o golfo do México? — Bambam pergunta, franzindo as sobrancelhas em confusão. Youngjae apenas dá de ombros de novo.
— No México?
— Faz sentido. — Mark comenta, terminando de racionar nossa comida, então se vira para o resto de nós e fica nos olhando como se tivesse algo a dizer, mas não soubesse como dizer. Todos percebem isso também, então apenas esperamos pacientemente até que ele esteja pronto para falar. Até mesmo Youngjae para de falar sobre seu futuro local de descanso eterno e presta atenção em Mark, o que significa que o assunto é sério. — Pessoal, nós temos um problema.
— E quando nós não temos um? — Jinyoung debocha sarcásticamente, rindo todo cínico. Mark apenas o ignora e suspira, antes de voltar a falar.
— Nossos mantimentos consistem basicamente em pacotes de miojo, água mineral e algumas bolachas secas. — Mark conta, ele parece bem cansado.
— Onde está o problema? Acho que todo mundo aqui sobrevive alguns dias comendo miojo. — Yugyeom aponta, o que faz Mark sorrir.
— Sim, de fato, mas não é esse o problema.
— Então quel é? — Youngjae pergunta, se arrastando do meio do quarto até o lugar onde eu estou sentado, então se enfia dentro do meu saco de dormir e do meu cobertor e me abraça, quase congelando de frio.
— A gente meio que não tem fogão. — Mark explica, rindo de nervoso. — Então ao menos que alguém saiba fazer fogueira, nós vamos ter que comer miojo cru pelo resto da viagem.
— Você tá zoando né? — Bambam resmunga, indignado, mas Mark apenas da de ombros.
— Bem que eu queria estar.
— Então... — Yugyeom começa a falar, soando meio incerto. — A gente tem que fazer uma fogueira?
— Sim. — Mark assente com a cabeça, tão preocupado com a situação como nós os outros, e por uns minutos nós só ficamos em silêncio pensando sobre o assunto, tentando achar saídas além dessa, mesmo que seja fato que não existam saídas além dessa. O silêncio é quebrado no momento em que Jackson desiste de sofrer por essas coisas e volta a jogar a bolinha na parede, sussurrando no processo algo que passou pela cabeça de todos os presentes no recinto.
— Bem, acho que finalmente o incêndio florestal vem.
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Blind • 2Jae (HIATUS)
FanfictionAquela onde Choi Youngjae é cego, pois nasceu sem enchergar, e Im Jaebeom é cego, pois não consegue ver a beleza do mundo, mesmo podendo ver.