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BELA
“Merda. Merda. Merda. Meeeeeerda. Cadê minha chave?”
O relógio no corredor estreito me avisa que tenho cinquenta e dois minutos para
fazer uma viagem de sessenta e oito, se quiser chegar à festa na hora.
Procuro na bolsa de novo, mas a chave não está lá. Onde mais poderia estar? Na
cômoda? Não. No banheiro? Acabei de olhar. Na cozinha? Talvez…
Estou prestes a virar na direção da cozinha, quando ouço um tilintar de metal
atrás de mim.
“Tá procurando isso aqui?”
Sinto o desprezo dando um nó na minha garganta ao entrar na sala de estar
minúscula, com os cinco móveis velhos espremidos feito sardinhas em lata —
duas mesas, um sofá de dois lugares e um de três, e uma poltrona. A montanha
de sebo sentada no sofá balança meu chaveiro no ar. Diante do meu suspiro de
irritação, ele sorri e senta em cima da chave com a bunda coberta por uma calça
de moletom.
“Vem pegar.”
Frustrada, jogo o cabelo que acabei de alisar para trás do ombro e caminho a
passos largos na direção do meu padrasto. “Me dá minha chave”, exijo.
Ray responde com um olhar lascivo. “Uau, tá gostosa hoje, hein? Até que você
encorpou bem, Rina. A gente podia se divertir, eu e você.”
Ignoro a mão inchada que desliza até sua virilha. Nunca conheci homem nenhum
tão desesperado para se tocar. Perto dele, Homer Simpson é um cavalheiro.
“Você e eu não existimos um pro outro. Para de olhar pra mim e não me chama
de Rina.” Ray é a única pessoa que me chama assim, e odeio isso. “Agora me dá
a chave.”
Já falei, vem pegar.”
Com os dentes cerrados, enfio a mão sob a bunda dele e procuro a chave. Ray
grunhe e se contorce feito o babaca repugnante que é, até que minha mão
encontra o metal.
Recupero a chave e viro na direção da porta.
“Qual o problema?”, ele zomba para as minhas costas. “A gente nem é parente,
não tem esse negócio de incesto.”
Gasto trinta segundos do meu precioso tempo para encará-lo, estarrecida. “Você
é meu padrasto. Você casou com a minha mãe. E…”, engulo a bile, “… e agora

dormindo com a minha avó. Então, não, não basta a gente não ser parente. Você
é a pessoa mais nojenta do mundo e devia estar preso.”
Uma sombra cobre seus olhos castanhos. “Cuidado com a língua, mocinha, ou
um dia vai acabar chegando em casa e encontrando a fechadura trocada.”
Até parece. “Pago um terço do aluguel aqui”, lembro a ele.
“Bem, talvez devesse pagar mais.”
Ele volta a atenção para a televisão, e gasto outros trinta segundos valiosos
imaginando como seria golpear sua cabeça com a minha bolsa. Vale a pena.
Na cozinha, vovó está sentada à mesa, fumando um cigarro e lendo um exemplar
da revista People. “Viu isso?”, exclama. “Kim Kardashian apareceu pelada de
novo.”
“Que bom pra ela.” Pego meu casaco do encosto da cadeira e sigo para a porta
da cozinha.
Descobri que é mais seguro sair de casa pelos fundos. Aqui nesta parte da zona
sul de Boston, que pode ser chamada de qualquer coisa menos de rica, sempre
tem uns trombadinhas nos degraus da frente das casas geminadas. Além do mais,nossa garagem fica atrás da casa.
“Ouvi que Rachel Berkovich pegou barriga”, comenta ela. “Devia ter abortado,
mas acho que é contra a religião dela.”
Cerro os dentes de novo e me viro para encarar minha avó. Como de costume,
ela está usando um roupão surrado e pantufas cor-de-rosa atoalhadas, mas está
toda maquiada e com um penteado perfeito no cabelo louro tingido, embora
quase nunca saia de casa.
“Ela é judia, vó. Acho que aborto não é contra a religião dela, mas, mesmo que
fosse, a escolha é dela.”
“No mínimo quer receber pensão”, conclui vovó, soprando uma baforada
comprida de fumaça na minha direção. Merda. Espero não chegar em Hastings
cheirando a cinzeiro.
“Não acho que é por isso que a Rachel vai ficar com o bebê.” Com uma das
mãos na porta, me mexo, agitada, esperando uma oportunidade para dizer tchau.
“Sua mãe pensou em abortar você.”
E pronto, aí está a minha deixa. “Tá legal, já chega”, murmuro. “Tô indo pra
Hastings. Volto hoje ainda.”
Ela ergue o rosto da revista num sobressalto e estreita os olhos ao notar minha
saia preta de tricô, o suéter preto de manga curta e gola redonda e os sapatos de
salto alto. Vejo as palavras se formando em sua mente antes mesmo de saírem da
boca.
“Tá toda metida, hein?! Indo praquela faculdade besta, é? Agora você tem aula
sábado à noite?”
“É um coquetel”, respondo, de má vontade.
“Uhhh, coquetel, olha só. Não vai cansar esses dedinhos de tanto puxar saco,
viu?”
“Tá bom, vó, obrigada pela dica.” Abro a porta dos fundos com um movimentobrusco e me forço a acrescentar: “Te amo”.
“Também te amo, querida.”
Ela me ama, mas às vezes esse amor é tão contaminado que não sei se está me
machucando ou me ajudando.
Minha viagem até a pequena cidade de Hastings não leva cinquenta e dois
minutos nem sessenta e oito. As estradas estão tão ruins que acabo gastando uma
hora e meia dirigindo. Perco mais uns cinco minutos procurando vaga e, quando
chego à casa da professora Gibson, estou mais tensa que uma corda de piano —
e me sentindo tão frágil quanto.
“Oi, sr. Gibson. Mil desculpas pelo atraso”, digo ao homem de óculos na porta.
O marido da minha orientadora me abre um sorriso gentil. “Não se preocupe,
Bella. O tempo está horrível. Deixe eu pegar seu casaco.” Ele estende a mão e
espera com paciência enquanto tento me desvencilhar do casaco de lã.
A professora Gibson chega no momento em que seu marido está pendurando
meu casaco barato entre outros caríssimos no armário do corredor. A peça de
roupa parece tão fora de lugar quanto eu. Afasto a sensação de desconforto e
abro um sorriso animado.
“Bella!”, exclama Gibson alegremente. Sua presença dominante chama minha
atenção. “Que bom te ver inteira. Está nevando ainda?”
“Não, só chovendo.”
Ela faz uma careta e pega meu braço. “Pior ainda. Espero que não esteja
pensando em voltar pra Boston hoje. As estradas vão estar gelo puro.”
Como tenho que trabalhar de manhã, vou fazer a viagem independentemente das
condições da estrada, mas não quero que minha professora se preocupe, então
abro um sorriso tranquilizador. “Não se preocupe comigo. Ela ainda está aqui?”
Gibson aperta meu antebraço. “Sim, e está doida pra te conhecer.”
Ótimo. Inspiro fundo pela primeira vez desde que cheguei e me deixo ser levada
pela sala em direção a uma mulher baixa, de cabelos grisalhos, vestindo um
blazer em tom pastel e calça preta. A roupa é bem sem graça, mas os diamantes brilhando em suas orelhas são maiores do que meu polegar. E sabe o que mais?
Ela parece gentil demais para uma professora de direito. Sempre achei que elas
eram criaturas sérias e batalhadoras. Como eu.
“Amelia, queria te apresentar Bella Swan. É a aluna de quem falei. Primeiro
lugar da turma, tem dois empregos e tirou setenta e sete na prova de admissão
para a faculdade de direito.” A professora Gibson se vira para mim. “Bella,
Amelia Fromm, especialista em direito constitucional.”
“Estou muito feliz de conhecer você”, digo, estendendo a mão e pedindo a Deus
para que não esteja úmida. Pratiquei apertar minha própria mão por uma hora
antes deste momento.
Amelia segura minha mão de leve antes de dar um passo para trás. “Mãe italiana,
avô judeu, daí a estranha combinação de nomes. Swan é um nome escocês…
Sua família é da Escócia?” Seus olhos brilhantes me analisam, e resisto à
tentação de brincar com a etiqueta da minha roupa barata para me distrair.
“Não sei dizer, senhora.” Minha família veio da sarjeta. A Escócia soa como um
lugar agradável e nobre demais para ter produzido uma família como a minha.
Ela dispensa o assunto com um gesto da mão. “Não importa. Genealogia é meu
passatempo. Então, você se candidatou para Harvard? Foi o que Kelly me
contou.” Kelly? Conheço alguma Kelly?
“Ela está falando de mim, querida”, esclarece Gibson com uma risada gentil.
Sinto o rosto corar. “Claro, desculpe. Penso em você como professora.”
“Tão formal, Kelly!”, acusa a professora Fromm. “Bella, para onde mais você
se inscreveu?”
“Boston College, Suffolk e Yale, mas Harvard é o meu sonho.”
Amelia ergue uma sobrancelha diante da minha lista de faculdades locais, duas
delas inclusive não tão bem avaliadas.
A professora Gibson corre em minha defesa. “Ela quer ficar perto de casa. E
obviamente merece ir para algum lugar melhor do que Yale.”
As duas professoras trocam um risinho de desdém. Gibson se formou Harvard e, ao que parece, qualquer um que passa por Harvard é um eterno rival
de Yale.
“Pelo que Kelly tem comentado, parece que Harvard deveria agradecer por ter
você como aluna.”
“Seria uma honra estudar em Harvard, professora.”
“As cartas de aceitação vão ser enviadas em breve.” Seus olhos brilham com
malícia. “Vou me assegurar de falar bem de você.”
Amelia abre outro sorriso, e quase desmaio num surto feliz de alívio. Não estava
falando da boca para fora. Harvard é mesmo o meu sonho.
“Obrigada”, é tudo o que consigo dizer.
A professora Gibson aponta na direção da mesa. “Por que não come alguma
coisa? Amelia, queria falar com você sobre aquele artigo de opinião que parece
que a Brown vai publicar. Você chegou a dar uma olhada nele?”
As duas se afastam, mergulhando numa discussão profunda sobre a
interseccionalidade do feminismo negro e a teoria de raça, tema no qual a
professora Gibson é especialista.
Caminho até a mesa das comidas, que está decorada com uma toalha branca e
cheia de queijos, biscoitos e frutas. Duas das minhas amigas mais chegadas —
Angela e Jessica  — já estão lá. Uma morena e a outra mais
clara, as duas são os anjos mais bonitos e inteligentes do mundo.
Corro até elas e quase me jogo em seus braços.
“E aí? Como foi?”, pergunta Angela, ansiosa.
“Tudo bem, acho. Ela falou que achava que Harvard deveria agradecer por ter a
mim como aluna, e que a primeira leva de cartas de aceitação vai ser enviada em
breve.”
Pego um prato e começo a me servir, desejando que os pedaços de queijo fossem
maiores. Estou com tanta fome que poderia comer uma peça inteira. Passei o dia louca de ansiedade por causa dessa reunião, e, agora que acabou, quero cair
de cara na mesa de comida.
“Ah, tá no papo”, declara Jessica.
Nós três somos orientandas da professora Gibson, que é uma grande partidária
de ajudar mulheres jovens. Existem outras organizações no campus voltadas
para a formação de contatos profissionais, mas a influência dela é orientada
exclusivamente para o avanço das mulheres, e não tenho palavras para agradecer
o apoio.
O coquetel de hoje foi pensado para que suas alunas pudessem conhecer alguns
membros do corpo docente dos programas de pós-graduação mais competitivos
do país. Angela  está batalhando por uma vaga na faculdade de medicina de
Harvard, e Jessica  vai para o MIT .
É isso aí, a casa da professora Gibson parece um mar de estrogênio. Tirando o
marido dela, só tem mais outros dois homens aqui. Vou sentir saudade deste
lugar quando me formar. Tem sido como uma segunda casa para mim.
“Estou cruzando os dedos”, digo, em resposta a Jessica. “Se não entrar em
Harvard, então vou pra Boston ou Suffolk.” O que seria bom, mas Harvard
praticamente iria me garantir o trabalho que quero depois de me formar — um
emprego num dos principais escritórios de advocacia do país, ou o que todo
mundo chama de Big Law.
“Você vai entrar”, diz Ângela, confiante. “E espero que pare de se matar quando
receber essa carta de aceitação, porque, caramba, amiga, você tá tensa.”
Giro a cabeça no pescoço mecanicamente. É, estou tensa. “Eu sei. Minha rotina
tá me matando. Fui pra cama às duas da manhã, porque a garota que ia fechar o
Boots & Chutes foi embora mais cedo e me deixou sozinha, aí acordei às quatro
por causa do expediente no correio. Cheguei em casa lá pelo meio-dia, caí na
cama e quase perdi a hora.”
“Você ainda tá nos dois empregos?” Jessica  afasta os cabelos ruivos do rosto.
“Achei que iria lagar o emprego de garçonete"
“Ainda não posso. A professora Gibson disse que eles não querem que a gente
trabalhe no primeiro ano do curso de direito. Só vou conseguir dar conta se já
tiver economizado o suficiente pra comida e aluguel antes de setembro.” Jessica  faz um barulhinho de compreensão. “Sei como é. Meus pais fizeram um
empréstimo tão grande que daria pra fundar um pequeno país com o dinheiro.”
“Queria que você morasse com a gente”, resmunga Angela.
“Sério? Não tinha percebido”, brinco. “Você só disse isso duas vezes por dia
desde que o semestre começou.”
Ela franze o nariz perfeito. “Você ia amar o lugar que meu pai alugou pra gente.
Tem um janelão que vai do chão ao teto e fica do lado do metrô. Transporte
público.” Ela eleva as sobrancelhas, tentando me seduzir.
“É muito caro, J.”
“Você sabe que eu cobriria a diferença — quer dizer, meus pais cobririam”, ela
se corrige. A família da menina tem mais dinheiro do que um magnata do
petróleo, mas ninguém jamais adivinharia. Angela  é a pessoa mais pé no chão que
conheço.
“Eu sei”, respondo, engolindo mordidas de minissalsichas. “Mas eu ficaria me
sentindo culpada. Depois, a culpa ia virar ressentimento, que ia acabar azedando
a amizade, e não ser sua amiga ia ser um saco.”
Ela sacode a cabeça para mim. “Se, em algum momento, seu orgulho permitir
que você peça ajuda, estou aqui.”
“Nós estamos aqui”, interrompe Jessica.
“Tá vendo?” Balanço o garfo de uma para a outra. “É por isso que não posso
morar com vocês. São importantes demais pra mim. Além do mais, tá dando
tudo certo. Tenho quase dez meses pra economizar antes de as aulas começarem
no outono que vem. Eu dou conta.”
“Pelo menos vem tomar um drinque com a gente depois do coquetel”, implora
Jessica.
“Tenho que ir pra casa.” Faço uma careta. “Entro cedo no correio amanhã.” “No
domingo?”, exclama Hope.
“Hora extra. Não tinha como recusar. Na verdade, acho que já tá na minha hora.”
Pouso o prato na mesa e tento ver o que está acontecendo do outro lado da
enorme janela. Tudo o que enxergo é escuridão e filetes de chuva escorrendo
pelo vidro. “Quanto antes pegar a estrada, melhor.”
“Não com este tempo.” A professora Gibson aparece junto ao meu cotovelo com
uma taça de vinho na mão. “A previsão é de gelo na estrada — a temperatura
caiu, e a chuva está congelando.”
Basta uma conferida no rosto da minha orientadora e sei que tenho que ceder. E
é o que faço, mas com muita relutância.
“Tudo bem”, digo, “mas faço isso sob protesto. E você…”, aponto o garfo na
direção de Jessica, “… é melhor ter sorvete no freezer, pro caso de eu ter que
dormir na sua casa, senão vou ficar muito brava.”
As três riem. A professora Gibson se afasta, deixando-nos à vontade para
socializar como só três universitárias do último ano sabem fazer. Depois de uma
hora de festa, Ângela,Jessica  e eu pegamos nossos casacos.
“Pra onde a gente vai?”, pergunto às meninas.
“O D’Andre tá no Malone’s, falei que ia encontrar com ele lá”, diz Ângela. “Fica a
dois minutos daqui, a gente não deve ter problema pra chegar.”
“Sério? No Malone’s? Aquilo é um bar de hóquei”, reclamo. “O que o D’Andre
tá fazendo lá?”
“Bebendo e me esperando. Falando nisso, você precisa pegar alguém, e atletas
são seu tipo favorito.”
Jessica  bufa. “Seu único tipo.”
“Ei, tenho uma boa razão pra preferir atletas”, argumento.
“Eu sei. Já ouvimos antes.” Ela revira os olhos. “Se você estiver atrás de uma
resposta sobre estatística, procure um nerd da matemática. Se quiser satisfazer
uma necessidade física, procure um atleta. O corpo é a ferramenta do atleta de
elite. Eles cuidam bem dele, sabem como forçar seus limites, blá-blá-blá.” Jessica
abre e fecha a mão esquerda para mim, me chamando de tagarela.
Mostro o dedo do meio pra ela.
“Mas sexo com alguém que você gosta é muito melhor.” O comentário vem de
Angela, que namora D’Andre, do time de futebol americano, desde o primeiro ano
de faculdade.
“Eu gosto de atletas”, protesto, “… durante os mais ou menos sessenta minutos
em que estou usando o corpinho deles.”
Trocamos uma risadinha, até que Jessica  lembra de um cara que fez essa média
despencar.
“Lembra do Greg Dez Segundos?”
Estremeço. “Em primeiro lugar, muito obrigada por não me deixar esquecer
disso; em segundo, não tô dizendo que você nunca vai encontrar uns pangarés
por aí. Só que o risco é menor com um atleta.”
“E jogadores de hóquei são pangarés?”, pergunta Jessica.
Dou de ombros. “Não sei. Não descartei o time de hóquei da minha lista por
causa do desempenho deles na cama, mas porque são uns babacas privilegiados
que recebem favorezinhos dos professores.”
“Bella, amiga, você tem que esquecer isso”, implora Ângela.
“Não. Tô fora de jogador de hóquei.”
“Nossa, pensa só no que você tá perdendo.” Jessica  lambe os lábios com lascívia
exagerada. “E o cara do time que usa barba? Nunca peguei ninguém de barba,
mas tá na minha lista.”
“Vai em frente, então. Meu boicote ao time de hóquei significa que sobra mais
pra você.”
“Dessa parte eu gostei, mas…” Ela sorri. “Preciso te lembrar que você transou
com o Di Laurentis, o maior pegador da universidade?”
Eca. Essa é uma memória que nunca preciso desenterrar.
“Primeiro, eu estava completamente bêbada”, resmungo. “Segundo, isso foi no
segundo ano. E terceiro, ele é a razão pela qual jurei nunca mais sair com
jogadores de hóquei.”
Embora a Briar tenha um time de futebol americano cheio de títulos, ela é
famosa por ser uma universidade do hóquei. Os caras que usam patins são
tratados como deuses. Dean Heyward-Di Laurentis, por exemplo. Como eu, ele é
aluno de ciência política, o curso preparatório para a faculdade de direito, então
já fizemos várias aulas juntos, inclusive estatística, no segundo ano. É uma
matéria difícil pra cacete. Todo mundo penou.
Todo mundo menos Dean, que estava comendo a professora assistente.
E — surpresa! — ele tirou um dez que absolutamente não merecia. Sei disso
porque fiz dupla com ele no projeto final e vi a porcaria de trabalho que ele
entregou.
Quando descobri que Dean gabaritou, tive vontade de decepar o pau dele. Foi
tão injusto. Trabalhei duro naquela matéria. Droga, dou duro em tudo. Tudo que
conquisto é à custa de sangue, suor e lágrimas. Enquanto isso, um babaca recebe
o
mundo todo de bandeja? De jeito nenhum.
“Ela tá ficando brava de novo”, Ângela  sussurra para Jessica.
“Tá pensando em como Di Laurentis tirou dez naquela matéria”, Jessica  finge
cochichar de volta. “Nossa amiga tá precisando muito pegar alguém. Faz quanto
tempo?”
Começo a mostrar o dedo do meio para ela de novo quando me dou conta de que
não lembro a última vez que peguei alguém.
“Teve o… Como era mesmo o nome? Meyer? O cara do time de lacrosse. Isso
foi em setembro. E depois teve o Beau…” Fico animada. “Rá! Tá vendo? Faz só
um pouco mais de um mês. Não sou um caso perdido.”
“Amiga, alguém com a sua rotina não pode passar um mês sem sexo”, contrapõe
Angela. “Você é uma pilha de nervos ambulante, o que significa que precisa de
uma boa transa, pelo menos… uma vez por dia”, decide ela.
“Dia sim, dia não”, intervém Jessica . “Dá uma folga pro parque de diversões
dela.”
Angela  concorda com a cabeça. “Tá bom. Mas nada de folga hoje…”
Solto uma gargalhada.
“Ouviu isso, B.? Você já comeu, dormiu à tarde e agora precisa de um pouco de
diversão”, declara Jessica.
“Mas no Malone’s?”, retruco, incerta. “A gente acabou de concordar que o lugar
vive cheio de jogador de hóquei.”
“Não é só gente do hóquei. Aposto que o Beau tá lá. Quer que eu pergunte pro
D’Andre?” Ângela  ergue o celular, mas nego com a cabeça.
“Beau toma muito tempo. O tipo de cara que quer conversar no meio do sexo. O
negócio comigo é fazer o que interessa e partir pra outra.”
“Uau, conversar! Que perigo.”
“Ah, cala a boca.”
“Vem calar.” Ângela  vira a cabeça para sair da casa da professora Gibson, e suas
longas tranças roçam o meu casaco.
Carin dá de ombros e segue a amiga, e, depois de um segundo de hesitação, vou
atrás. Quando chegamos ao carro de Angela, nossos casacos estão encharcados,
mas, como estamos de capuz, os penteados sobrevivem ao aguaceiro.
Não estou com a menor vontade de paquerar ninguém hoje, mas tenho que dar o
braço a torcer. Faz semanas que estou tensa, e, nos últimos dias, tenho sentido
um… formigamento. E é do tipo que só pode ser aliviado por um corpo forte,
musculoso e, de preferência, mais bem-dotado que a média.
Só que sou extremamente seletiva com potenciais ficantes e, como temia,
quando entramos no Malone’s cinco minutos depois, o lugar está abarrotado de
jogadores de hóquei.
Mas tudo bem. Se essas são as únicas cartas que tenho à mão, acho que não custa
nada jogar e ver o que acontece.
Ainda assim, sigo minhas amigas em direção ao balcão do bar com zero
expectativas.

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⏰ Última atualização: Sep 17, 2020 ⏰

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