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Eu sou o Joseph, minha história não é exatamente um feliz para sempre, está mais para um conto de falhas. Mas para começar vou contar algumas coisas que me aconteceram quando eu era criança para que entendam. Meus pais foram embora quando eu tinha três anos de idade e me deixaram com a vizinha que me entregou para um orfanato, onde cresci e por ser uma criança mais velha, nunca quiseram me adotar, geralmente as pessoas preferem os recém nascidos. Eu nunca descobri o porquê deles terem me abandonado, talvez eles só não quisessem mais um filho ou algo assim.

Quando completei 18 anos, eu ainda estava no orfanato, eu não tinha para onde ir, então eu trocava trabalho por um lugar para ficar. Eu sempre fui estudioso e nessa época eu consegui passar no vestibular e entrar para uma universidade no curso que eu queria, farmácia. Tudo ia bem, minhas notas eram as melhores da turma, sim, eu era um nerd. Eu tinha alguns amigos e as vezes frequentava algumas festas a convite deles, até que ao fazer alguns exames de rotina eu descobri que estava doente, descobri que tinha HIV e que havia sido me passado pelos meus pais. Pois é, foi a única coisa que me deixaram de herança. A partir disso, todo mundo se afastou de mim, ninguém queria chegar perto ou encostar. Era como se eu fosse um ácido ou veneno, que se tocassem morreriam. E então eu passei a estar só, a ser só.

O abandono dos meus pais e a rejeição de outras famílias me causou problemas psicológicos sérios, eu me cortava quase sempre nas coxas e virilhas e tentei suicídio três vezes depois que descobri a minha doença, mas como eu não consegui partir em nenhuma das tentativas, eu tentava viver a minha vida da melhor forma possível, do jeito que dava. Eu cuidava do meu corpo e da minha aparência e sempre tentava esconder minhas cicatrizes de alguma forma. Mas as duas enormes feitas na diagonal em meus dois pulsos eu não conseguia sempre.

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Alguns anos se passaram e eu estava no meu último semestre da faculdade e quase concluindo minha especialização em análises clínicas, o que me tornaria um farmacêutico bioquímico. Eu estava fazendo os tratamentos rigorosamente, todos os dias e passei a ser indetectável, ou seja, eu não transmitia o vírus para as pessoas. Então isso me fez criar muitos planos e sonhos para realizar depois da formatura, mesmo que isso me deixasse com medo.

Sempre sonhei em ter minha própria casa, um bom emprego e principalmente ter uma família, já que eu não tinha uma, mas estava um pouco difícil realizar esse último sonho. Eu pensava que se as pessoas soubessem que eu não era infeccioso voltariam a se aproximar de mim e a me enxergar além de um vírus, mas não foi bem assim, nada mudou. Eu continuei sendo invisível como eu era e visto como uma doença.

Eu frequentava muito a biblioteca para ficar estudando e criando projetos de pesquisa, afinal, era a única coisa que eu tinha para fazer além de ficar ajudando no orfanato. Eu procurei emprego por um bom tempo, mas nunca conseguia por ser soropositivo, quase todo mundo na cidade sabia os populares fizeram questão de espalhar e infernizar a minha vida. Até que em um fatídico dia eu estava sentado lendo alguns livros quando alguém puxou a cadeira e sentou na mesma mesa que eu. Suspirei e a pessoa falou:

— Boa tarde. Tem algum problema se eu sentar aqui?

Ajeitei os óculos no rosto, o olhei e falei:

— Boa tarde. É alguma pegadinha?

Ele me olhou sem entender nada e falou:

— Pegadinha? Por que seria?

Respirei fundo e falei:

— Bom, não sei se chegou a notar mas minha mesa é afastada e todas as outras estão cheias, tem pessoas em pé por toda a biblioteca e só a minha está vazia. É muito estranho que você tenha vindo sentar aqui quando ninguém quer se aproximar de mim ou ser visto comigo.

O amor é um conto de falhas.Onde histórias criam vida. Descubra agora