Inalava o cheiro da chuva durante a tarde de verão, os fones do garoto tornavam o momento, de certa forma, aprazível. Usava tal coisa para afastar-se das preocupações cotidianas de poder tornar independente precocemente, o estigma de não conquistar apartamento e estudo simultaneamente o perseguia a cada momento de distração. Os passos deste não oscilavam ao ouvir a melodia inebriante, sua real ânsia de se entregar ao som do piano era quase maior que a pressa de chegar em sua casa.
Levantou a face cansada para o outdoor da cidade, mirando a reportagem, considerada por si antiga, todavia não deixava de circular pela cidade e estado. A imagem da vítima que fora considerada desaparecida era mostrada no telão, o que lhe fez retirar o fone para ouvir brevemente.
– As autoridades estão prestes a saber do paradeiro da senhorita... – A repórter ditava, mas o jovem voltou a colocar o fone sobre o ouvido, ignorando o final da notícia para voltar a caminhar ao som da melodia.
Admitira que tinha receio de que algo pudera acontecer consigo, os ataques estavam cada vez mais frequentes, diversas pessoas estavam sendo dadas como desaparecidas, tinha certeza que as vítimas já não estavam mais vivas, era nítido, sabia que a garota da notícia seria encontrada morta. Estúpidos.
Finalmente chegou em frente a residência desejada, tirando os sapatos para digitar a senha da porta de entrada, deixando os caçados ali mesmo para adentrar a sala fria, fazendo uma leve careta ao sentir o cheiro do ambiente que não recebia a ventilação, pois estava sempre ocupado, não tinha tempo de ficar em casa. O primeiro passo adentro o incomodou, a madeira rangia, mas apenas continuou até chegar em frente a escada, voltando a ter a mesma feição ao ouvir o barulho que escada estava a fazer a cada degrau que subia, passou a língua pelos lábios, umedecendo-os, os lábios sangravam constantemente pela falta de hidratação, jogou a mochila no chão ao adentrar o cômodo desejado, o quarto era o seu "refúgio", desejava deitar na cama e fechar os olhos, podendo inalar o cheiro do amaciante, lhe dava um sentimento rápido de conforto, realizar sua vontade lhe fez cair no sono, sem que se importasse com a fome ou a roupa desconfortável que vestira.
[...]
Sentou na cama, os olhos arregalados denotavam o sentimento de pânico, as mãos tremiam freneticamente, a boca estava seca. O peito descia e subia, tentava normalizar a respiração ofegante em inspirações profundas, mas as lágrimas insistiam em descer pela face fria, o tecido da roupa escurecia a cada lágrima que caía de seu rosto, aproximou ambos joelhos do tronco, envolvendo seus braços nestes, abraçando-os para esconder o rosto e voltar a chorar enquanto sentia o coração palpitar rapidamente, lhe dando certeza de que estava vivo, a voz iria o pegar, por mais que fugisse, ela sempre o encontrava, seu espírito não encontrava paz, pois sabia que estava prestes a perder.
– Encontrei você, querido... – A voz fúnebre soava intimidadora, o corpo ficou paralisado, arrepiava-se de forma intensa, estava perdido. Apenas olhou de canto para a direção que a voz vinha, não tinha coragem de encarar e trazer a tona as lembranças passadas que tanto custou para esquecer, o sorriso ladino estava distante apenas por milímetros, os dedos cobertos pela luva branca se posicionaram em frente ao sorriso, fazendo um sinal para que o outro se calasse. – Espero que não esteja fugindo de mim.
A visão logo se tornou preta, perdendo a consciência novamente, a última coisa que ouviu fora a gargalhada alta ecoando em sua mente diminuindo de forma gradativa.
You are my sunshine, my only sunshine
You make me happy when skies are gray.
You'll never know dear, how much I love you.
Please, don't take my sunshine away.
A caixinha de música tocava sozinha, o acordando de imediato, expandindo a visão por todo o cômodo.
– Merda...
Não vira aquele objeto em algum momento em sua vida, foi a voz, tinha certeza. Sua mente inundava-se em pensamentos, questionava se àquele evento realmente aconteceu, era assim... Ela sempre voltava quando não pensava em ouvir a risada sarcástica para lembrar que não importa o local que fosse, ela estaria ali, estaria o observando ao ponto de ter o momento perfeito para memorar que nunca iria embora, estariam juntos após a morte, tornando-se um.
Perdeu-se mais uma vez.
O corpo cansado pedia para que ficasse deitado o dia inteiro, queria descansar. Contudo, se levantou com dificuldade, o estômago roncava alto, estava faminto. O assoalho frio queria fazer desistir, hesitou antes de caminhar em direção a cozinha, teria que cozinhar algo, ao parar em frente ao cômodo, ligou o rádio que ouvia toda vez que iria cozinhar. Uma voz máscula agora ditava notícia de um homem na casa dos 40 anos fora assassinado em um beco qualquer.
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