Minha senhora

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Pego a faca novamente em mãos, sinto sua lâmina gelada sobre minha pele. Ela me provoca um calafrio por todo o corpo, mas não me acanho e começo a limpar. Passo meu avental sobre a lâmina e começo a ver sua sujeira vermelha sendo transferida para as minhas roupas. Minha senhora não gosta de suas facas sujas!

Por um instante olho para o chão, para a luz que reflete do piso aos meus olhos, e nem consigo imaginar toda a bagunça que estava aqui. Olho para a porta da frente e vejo ali uma gota vermelha bem próxima ao chão. Sinto minhas pernas bambeando, e meu corpo gela. Não posso deixar que minha senhora seja obrigada a ver isso!

Agradeço aos céus que ela ainda não tenha voltado de seu passeio, agradeço aos céus que eu não a tenha decepcionado.

Largo a faça, agora brilhando de limpa, sobre a pia, e corro em direção a porta. Limpo a mancha com vigor até que ela desapareça. Respiro aliviada. A mancha se foi, sua sujeira foi parar em meu avental. O retiro e começo a andar até o varal, minha senhora não acharia essas roupas apropriadas, estão imundas.

Assim que atravesso a porta dos fundos, sinto a brisa leve do fim de tarde acariciando minha pele, o que faz meu corpo se arrepiar da cabeça aos pés. Tento não pensar muito no que fiz, tento afastar a detalhada memoria que não para de se reprisar em minha mente. Mas todos os meus esforços acabam se mostrando inúteis.

Nunca vou tirar seus olhos dos meus pensamentos, eles me fitavam tão intensamente que ainda me provocam calafrios.

Me viro em direção ao varal e pego um avental limpo, o levo ao rosto para que o seu doce cheiro de roupa-que-acabara-de-ser-pega-do-varal me acalme. É como se seu perfume preenchesse o enorme buraco dentro de mim, formado logo após que dei aquela primeira facada.

O aconchegante cheiro do avental faz meus músculos relaxarem, e me sinto segura. Me sinto em casa. Mas assim que afasto o avental do rosto, sou transportada para o mundo real novamente. Então rapidamente retiro minha roupa suja e substituo-a pela quentinha e aconchegante.

Olho para a roupa em minhas mãos, observo como o líquido vermelho se espalha por ela, o formato que suas gotas fazem no tecido. E me pego pensando como fui capaz de fazer o que fiz. O porquê de ter submetido ele e a mim a essa situação.

Só então percebo os meus pensamentos, percebo seus significados e sacudo a cabeça para afastá-los. Como posso estar duvidando da minha senhora dessa maneira?

Eu faço tudo! Tudo o que minha senhora precisar!

Viro o meu corpo em direção a porta e começo a caminhar. Vou até a lareira e, sem pensar muito, jogo o meu avental sujo ali. É isso. Isso que minha senhora quer, e agora está feito. Eu faço tudo o que ela precisar!

Respiro fundo tomando folego, o cheiro de sangue predomina o ambiente. Sinto o ar entrando nos meus pulmões, e o calor do fogo aquecer meu corpo. Observo o avental se tornar cinzas enquanto tento fazer com que meus pulmões funcionem, tento força-los a trabalhar.

Fecho os olhos e sinto o calor da lareira preencher o meu interior.

Consigo me abstrair dos meus pensamentos por um curto tempo, mas logo ele acaba quando, sem planejar, direciono o olhar para a porta do meu quarto. Me lembro de como foi difícil arrastá-lo até ali, de como meus braços finos tiveram que arrastar seu grande corpo de homem adulto até o interior de meus aposentos.

Viro o meu corpo em direção ao meu quarto e começo a caminhar. Ando tentando fazer minha cabeça parar de girar, e parar de me bombardear com pensamentos.

Quando finalmente a alcanço, meu corpo trava, sem reação, e apenas fico ali encarando-a. Sinto todos os sentimentos começarem a voltar, meu corpo age como se tivesse levado uma pancada na cabeça e precisasse lutar pela minha sobrevivência. Abaixo a cabeça e respiro fundo, tentando controlar as emoções.

Não posso me permitir fraquejar agora, vou fazer tudo o que minha senhora precisar.

Então, com isso em mente, abro a porta e caminho para seu interior. Me permitindo ser tomada pela escuridão do ambiente, e pelo forte cheiro de sangue.

Levo minha mão a parede e a tateio em busca da tomada.

Assim que a luz derrota a escuridão, o pesadelo não encontra o seu fim. Pois a primeira imagem que meu olhar encontra são os olhos dele, que me encaram. Seus olhos se fixam nos meus como se estivessem me suplicando misericórdia. Mas esse é um desejo que não posso mais conceder.

Ando em sua direção e quanto mais me aproximo, melhor posso ver a ferida em seu pescoço, a ferida que provocou todo esse cheiro de sangue.

Contra todos os meus mais intrínsecos instintos, me aproximo um pouco mais. Agora estou tão perto que posso sentir sua carne gelada sobre meus pés. Me abaixo para que minhas mãos possam tocar o seu rosto, acaricio sua bochecha e sussurro um simples pedido de desculpas.

Sinto uma lágrima descendo pelo meu rosto, se depositando na bochecha do homem abaixo de mim. Rapidamente a seco.

Se minha senhora me visse agora eu me sentiria extremamente envergonhada. Não posso me deixa abater, faço isso por minha senhora. Faço tudo o que ela precisar.

Então, sem deixar que meus sentimentos tomem o controle, pressiono minhas mãos sobre sua carne, e o empurro para debaixo da cama. Minha senhora não precisa ser amaldiçoada por essa cena. Essa cena não precisa causar a ela os mais diversos pesadelos, como sei que causará em mim.

Olho em volta e avisto meu tapete logo à frente da porta. Pego-o em mãos e o ponho ao lado da cama, para tapar o rastro de sangue que ele deixou.

Endireito minha postura e respiro aliviada. Está acabado!

Levo as mãos ao rosto para enxugar o suor, mas meus olhos repousam sobre elas antes que possam tocar minha testa. Estão imundas!

Vou imediatamente até a saída e começo a andar em direção ao banheiro para lava-las. Minha senhora gosta que eu mantenha as mãos limpas.

Antes de encostar na maçaneta da porta, olho para minhas mãos imundas e percebo que não posso tocar ali, não posso submeter a minha senhora a tocar a mesma maçaneta em que estava o sangue daquele homem. Então cubro minhas mãos com meu avental limpo e finalmente meus olhos conseguem alcançar todo o interior do banheiro.

Começo a caminhar apressadamente até a pia, abro a torneira e finalmente minhas mãos são banhadas por aquela água.

Vejo toda aquela sujeira vermelha saindo do meu corpo e encontrando seu destino ralo abaixo. Respiro fundo, e outra vez, e mais uma, e finalmente a última. Agora consigo sentir o ar em meus pulmões. Está tudo acabado.

Eu consegui! Não falhei com a minha senhora! Ela não precisará sentir vergonha de mim, ou me olhar com desdém. Eu mostrei a ela, mostrei o meu amor. Mostrei que faço qualquer coisa por ela. Tudo o que minha senhora precisar.

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