"Eu quero o divórcio", ela falou calmamente, imparcial, depois de ter entrado no meu escritório sem qualquer alarde e eu apenas encarei seus olhos, sem conseguir expressar qualquer reação, nenhuma palavra saiu da minha boca. Estou tão condicionado a não demonstrar emoções que me tornei frio nos piores momentos.
Não preciso que você pare de me olhar
Para que entenda que já não resta nada
Aquela Lua que antes dançava para nós dois
Se cansou e agora nos dá as costas
Casados há dez anos... não sei em que momento nos perdemos, já faz meses que não compartilhamos nada, não compartilhamos palavras, ou horas, ou gostos, ou olhares, apenas dividimos, dividimos a casa, o quarto, a cama, o lençol, a mesa, os amigos.
Onde está o amor, de que tanto falam?
Por que não nos surpreende e rompe nossa calma?
Juramos nos amar para sempre, isso foi na faculdade, eu fiz direito e ela medicina. Você deve estar pensando: claro que ia dar errado. Mas não caro amigo, deu certo, deu certo até quando não deu mais, quando a rotina fez o nosso céu perder a cor, a um ponto de não nos vermos mais, mesmo embaixo do mesmo teto. Como dois desconhecidos, não me lembro a última vez em que a toquei.
Tenho contados todos os beijos que nos damos
E você fugitiva, anda perdida em outro lado
Eu não quero carícias de outros lábios, não
Não quero suas mãos em outras mãos
Porque eu quero que voltemos a tentar
Não consigo lhe dizer não, em doze anos juntos nunca tive essa capacidade, assim, ela deu entrada nos papéis, mesmo que não tenho concordado, "quem cala consente", então agora estou entrando no fórum, para a audiência de acordo. Entro e a vejo sozinha, sorrio comigo mesmo pensando em que ponto chegamos, no qual não estamos dispostos sequer a brigar por aquilo que construímos.
- Vocês não terão advogados para intermediar o acordo? - a juíza pergunta incrédula.
- Não Vossa Excelência, não será necessário de minha parte, não quero nada do meu marido, apenas que assine os papéis - fala com sua calma habitual.
- E o senhor está de acordo? - a juíza pergunta para mim, engulo em seco, olho da juíza para minha esposa do outro lado da mesa, que me olha como se não entendesse minha exitação, seus lindos olhos, confusos, junto toda a minha força de vontade e falo de forma clara.
- Não - ela me encara surpresa - Vossa Excelência, eu solicito um recesso para que possa falar a sós com minha esposa - peço no tom mais profissional que consigo.
- Declaro esta sessão suspensa por vinte minutos - fala se levantando de sua cadeira e saindo da sala.
- O que deu em você? - me pergunta incrédula.
- Eu não quero me divorciar - falo me levantando.
- Do que está falando? Está claro que sse casamento já não existe mais - fala com o olhar triste - por que não simplesmente assina e me dá o que quero? - pergunta fitando a mesa, o rosto vermelho de quem segura lágrimas, meu peito dói.
- Eu nunca neguei nada a você, mas isso é importante demais para que eu abra mão assim - ela me encara surpresa, eu caminho até ela, que ergue uma sobrancelha para mim, estranhando minha aproximação, "em que momento nos tornamos tão alheios um ao outro?" - eu quero que voltemos a tentar - falo segurando sua mão, olhando em seus olhos, sentindo o seu cheiro que ainda era o mesmo que me lembrava. Ela deixa uma lágrima cair.
Deixe-me voltar a fazer cafuné nos seus cabelos
Deixe-me colocar meu peito junto ao seu peito
Voltarei a colorir o céu
Farei com que você esqueça de uma vez o mundo inteiro
- Eu achei que não se importasse mais - fala com os olhos marejados olhando nos meus olhos - por que não me impediu?
- Eu não sei - falo com sinceridade - talvez fora o susto, ou o quanto você pareceu determinada, eu nunca soube dizer não a esses seus olhos - falo secando as marcas das lágrimas em seu rosto e deixando que outras escorressem dos meus - mas eu não posso perder você.
Deixe-me apenas tocar sua boca hoje
Deixe-me fazer que as horas durem eternamente
Voltarei a pintar o universo todo de azul
Farei com que tudo isto seja só um sonho
Eu coloco uma mecha de seu cabelo atrás da sua orelha, seguro sua nuca delicadamente, puxando seu rosto para mais perto e ela não tira os olhos dos meus. Eu tomo seus lábios macios em um beijo calmo, cauteloso, por medo que me rejeite, mas ela retribui e então peço passagem com minha língua, sentindo seu toque quente, com gosto de café, tão bom e familiar, "como eu pude parar de fazer isso?"
Somos interrompidos pela juíza que volta à sala pigarreando, nos afastamos de imediato, como dois adolescentes e voltamos a nos sentar. Mas agora eu ostento um sorriso pleno.
- Retomando a sessão - inicia - as partes desejam prosseguir com o processo de divórcio? - pergunta preparando a caneta para dar o processo por encerrado, eu respondo prontamente.
- Não.
- Sim - meu sorriso se desfaz de imediato, fito o rosto da mulher à minha frente e o vejo molhado por lágrimas espessas - me perdoe, querido, mas eu sei que não podemos tentar de novo, não vai voltar a ser como era, eu amo você, mas não quero acabar o odiando - eu engulo em seco, sentindo meu peito se encher de dor e meus olhos de lágrimas - pedirei que diga 'sim' pra mim, uma última vez - fala olhando nos meus olhos, eu sustento seu olhar por dois longos segundos e então assinto.
- Onde eu assino? - pergunto me dirigindo para a juíza que nos olhava atônita, então ela pega um papel e entrega à minha esposa que assina e me entrega, eu também assino e devolvo para a autoridade presente que também assina e dá a sentença, eu apenas me levanto e deixo a sala, mas sou parado tendo que esperar o elevador.
- Eu posso ir com você? Estou sem carro e preciso tirar minhas coisas de casa - fala parando ao meu lado, lhe entrego a chave do carro.
- Vou trabalhar, não precisa tirar suas coisas, a casa é sua - digo sem encará-la, entrando no elevador, seguido por ela - peça que arrumem minhas coisas e coloquem no meu carro, eu me mudarei hoje.
- Mas...
- Me deixe lhe dizer 'não', uma única vez - falo saindo do elevador e lhe dando as costas.
Onde está o amor, de que tanto falam?
Por que não nos surpreende e rompe nossa calma?