Um meme pode ser definido de forma bem objetiva como um conceito de imagem que se relaciona ao humor. Em 2017, entre tantas imagens icônicas compartilhadas em redes sociais, talvez a mais emblemática e que tenha suscitado um maior número de possibilidades de criação e interpretação tenha sido o "Meme do Namorado Distraído".
A foto é de 2015, autoria do fotógrafo espanhol Antonio Guillem, e estava armazenada no banco de imagens Shutterstock sob a designação de procura "homem desleal caminhando com sua namorada e olhando surpreso para outra garota sedutora". Foi o resultado de uma sessão de fotos representando o conceito de infidelidade em relacionamentos, porém, fotografado sob um ponto de vista engraçado. O ensaio foi feito na cidade de Girona, na Catalunha, Espanha (Barrett, Brian (August 28, 2017) "The distracted boyfriend meme's protographer explains all" - Wired (Retrieved July 21, 2018).
Esse conhecido meme vem ao meu auxílio no sentido de ilustrar melhor para a nossa percepção o que vou chamar de "Síndrome do Namorado Distraído".
Diferentemente da intenção de Antonio Guillem com a fotografia, não penso aqui em retratar a questão da infidelidade, mas, sim, focar no aspecto da própria "distração". Também não é minha intenção atribuir uma análise sexista à Síndrome: abordarei aqui mais uma distração que é "humana", que faz parte de nós, independente de nossa consciência de "gônadas", por assim dizer — embora pretenda que certa carga hormonal também seja considerada em nossa reflexão.
A distração não é, sobremaneira, um aspecto a dominar somente o modus vivendi de nossos dias. Desde tempos remotos, somos distraídos de certos acontecimentos da vida, mesmo quando não tínhamos assim tantas "distrações". Parece ser uma característica de defesa estabelecida pelo nosso cérebro para nos acomodar no atraente divã repleto de almofadas macias recobertas de puro cashmere que é a chamada "zona de conforto".
O "não desejar perceber uma realidade" pode, sim, ocultar-se à moda de "distração", fazendo com que passemos pela vida sem realmente dar olhos a situações, elementos, pessoas que estavam ali, bem ao nosso lado.
A ironia da vida é que, muitas das vezes, só quando chegamos a uma idade mais avançada é que essa consciência da distração vai surgir. Às vezes cruel até, essa consciência pode surgir somente ao nosso leito de morte, fazendo com que o sentimento seja pleno, porém, não mais passível de análise muito longa ou solução, diante da urgência da nossa contagem final no cronômetro da vida.
Este ensaio, como resolvi chamar, propõe-se à lucidez. Faz o convite à percepção dos aspectos da vida os quais têm sido distraídos pela inércia de nosso cérebro preguiçoso, que se considera incapaz de absorver e salvaguardar um mundo intenso em significados que pode captar através de nossa fala, de nossa visão, de nossa audição, de nosso tato e de nosso olfato.
Existe uma posição, um papel a ser cumprido por cada pessoa na foto do meme. Quero fazer de conta aqui que "você" é o namorado distraído, o que faz com que você olhe para trás é a garota sedutora, ou seja, o "elemento de distração" e a garota ao seu lado é "o que realmente importa", a vida passando sem que você enxergue sua essência. Convido você a perceber esses papéis.
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Ensaio sobre a Síndrome do Namorado Distraído
De TodoUma reflexão em torno das pequenas distrações do cotidiano que nos impedem de visualizar o amor e suas manifestações.