Era o último dia de normalidade na minha vida. Óbvio que eu não sabia disso quando abri os olhos pela manhã e percebi que estava atrasada para a aula. No meu celular três mensagens me chamavam atenção.
"Maitê 08:34
Lis, cadê você?""Jorge 08:37
Bom dia linda, ainda não me mandou mensagem, já está no colégio?""Maitê 08:43
Lissss, nem ouse me deixar sozinha na aula da Vânia hoje!!!!!"Pulei da cama num impulso, claro que meu alarme tinha que dar pau no dia da aula da Vânia, onde eu já estava com nota ruim. Tudo por ter respondido as mensagens de Jorge durante a aula, fazendo com que a vaca da professora me colocasse para fora da sala e me tirasse 2 pontos.
Coloquei a calça jeans velha sem sequer tomar um banho, o uniforme cinza sem graça e por cima uma jaqueta. Me olhei no espelho e constatei o óbvio: eu parecia uma morta viva.Liguei para Jorge, ele folga nas segundas e felizmente poderia me levar de moto, já que pegar um ônibus agora me faria perder a segunda aula. Ele sai de casa e eu fico esperando na porta. Mamãe e papai trabalham cedo e praticamente nunca os pego em casa, especialmente quando acordo mais tarde que o normal.
— Alguém dormiu de mais hoje. - diz Jorge me entregando um capacete.
— Você não tem ideia, estou numa maré de azar. - eu subo na garupa da moto e passo os meus braços pelo corpo de Jorge, o abraçando forte.
Jorge e eu começamos a namorar há 2 anos, quando trocaram o ajudante do professor de inglês do cursinho que eu fazia. Eu gostei dele desde o início, ele fazia meu tipo, cabelo bagunçado o suficiente para parecer que estava sempre com pressa, mas não para parecer descuidado. Olhos castanhos que depois descobri que ele herdou de sua mãe e um sorriso estonteante. Nós começamos a sair depois que o pessoal da turma começou a reparar que eu sempre tinha perguntas bobas direcionadas para ele, como colocar tal palavra no passado, sendo que eu sabia isso desde o início do curso.
Dois meses depois ele me pediu em namoro. Um pedido simples, mas especial, com uma playlist do Spotify. Depois disso, não nos separamos mais. Ele me faz sentir especial e eu tento retribuir ao máximo, além disso, meus pais o amam, seja por ser responsável ou por verem que eu andava nas nuvens quando estava ao seu lado.Quando chegamos na porta do colégio eu devolvo o capacete e Jorge levanta o seu, o momento perfeito para eu beijar seus lábios carnudos e dizer baixinho em seu ouvido:
— Te amo. Te vejo lá em casa hoje à noite.
Corro para dentro do colégio e entro na sala antes que o coordenador me veja chegando atrasada e me impeça de entrar.
Vânia está de costas escrevendo alguma coisa chata sobre pronomes na lousa. Eu sento ao lado de Maitê que está distraída rabiscando em seu caderno, ela escreve na lateral da página "quando eu cheguei vi a Carla na secretária. Acho que ela volta hoje". Eu leio e desenho uma carinha sorrindo embaixo, de forma a agradecer pela fofoca em primeira mão.Carla tinha entrado na escola no início do segundo bimestre, ela fez algumas amizades e era boa aluna, mas começou a decair quando seus pais se separaram. Todo mundo sabia que tinha algo errado com ela, especialmente depois que ela foi internada em um hospital psiquiátrico por tentar se suicidar cortando os pulsos em casa. Ela ficou duas semanas afastada das aulas.
Quando a aula acaba e nós temos alguns minutos para conversarmos enquanto os professores trocam de sala o assunto não é outro, se não Carla. O clima fica ainda mais esquisito quando ela entra e se senta no seu lugar de costume, na fila do canto. Os murmurinhos se acumulam quando todos começam a sussurrar coisas como "eu soube que ela é doida, nem sei como a diretora deixou ela voltar para sala", ou "será que ela toma remédio para controlar a loucura?".
Felizmente o professor entra na sala, carregando alguns livros e seu kit de pilotos coloridos.— Silêncio turma, silêncio! - ele corre os olhos pela sala e estaciona por alguns segundos em Carla. - Hoje vamos falar de probabilidade e como isso cai no Enem.
Enquanto abrimos o caderno o professor escreve de piloto vermelho na lousa. "Trabalho do bimestre."
— Eu sei bem como vocês odeiam esses trabalhos, e acreditem, eu também, mas a diretora insiste que além do teste e de prova eu cobre isso. A turma faz um coro de "ahhhh", e ele continua — Mas para não ser tão chato quanto o outro, eu resolvi fazer uma coisa mais dinâmica esse bimestre. Como vamos começar a estudar probabilidade eu quero um artigo falando sobre como a matemática, especialmente a probabilidade, existe fora dessa sala de aula. Explicando melhor, quero exemplos de probabilidade na vida prática de vocês, no dia a dia.
— Entendeu alguma coisa?- disse Maitê no meu ouvido- Esse professor viaja.
Eu sorrio para ela, apesar de ter entendido eu também acho que ele viaja.
— E para finalizar, eu quero que esse trabalho seja feito em grupos de 3 alunos.
O coro de alunos se opondo e tentando argumentar com o professor que é melhor fazer individual aumenta, mas eu só consigo prestar atenção em Carla, ela está olhando para o braço enfaixado, onde provavelmente ocorreram os cortes . Tento imaginar como ela se sentiu para chegar a esse extremo e sinto uma pontada de culpa, afinal eu a via todos os dias sentada no mesmo lugar e nunca tentei falar um "oi", talvez tudo que ela precisasse fosse alguém para ajudá-la num momento difícil.
Sou tirada dos meus pensamentos quando Maitê fala para o professor
— Meu grupo é a Elis.
— Quem mais? - pergunta o professor.
— Carla. - eu respondo sem pensar muito.
Ela olha rápido para mim sem entender. Maitê solta um "quê?" e eu me sinto uma boba por estar colocando alguém em meu grupo sem sequer conhecer direito, por puro impulso.
— Ótimo! - diz o professor.
"Ótimo", eu penso.
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Minha Melhor Amiga - Romance Sáfico
RomanceAté um amor errado é válido? Elis nunca pôde reclamar da vida que leva. Sua família é um pouco religiosa de mais, mas os pais sempre a amaram incondicionalmente e fazem de tudo para ver sua felicidade. O namorado a ama, disso ela não tem dúvidas. Su...