Ser cego me tornou muito sensível a sons, quando falo sobre sensibilidade eu quero dizer que sou muito bom em ouvir. Tanto no sentido literal quanto no figurado, mas, aparentemente, não fui eu a única pessoa a ouvir aquele comentário.
Camila estava furiosa ao meu lado e era possível, ao menos aos meus ouvidos sensíveis, ouvir sua respiração forte e pesada. Mesmo que a fúria não seja um bom sentimento, me sinto feliz por Camila ter tido essa reação, no entanto, prefiro acalmá-la a ter que ir, no escuro, tirá-la do meio de uma discussão.
Saímos juntos ha dois meses, se bem que sempre saímos juntos.
Sair apenas com ela, sem nossas irmãs é algo diferente. Bom e calmo. Talvez não seja calmo agora, mas, geralmente, é.
– Não dê importância a isso, Mila.
– Como você pode estar tão calmo? Você não ouviu o que ele disse? Não é possível. - pelo tom de sua voz e a rapidez de sua fala, pude perceber que ela estava mais que aborrecida. Parecia até mesmo desapontada.
– Já estou acostumado com esse tipo de coisa. - peguei sua mão por cima da mesa da sorveteria com o intuito de acalmá-la.
– Mas não podem! - ela relaxou. – Você não pode e não deve se acostumar com esse tipo de comentário, Shawn! - talvez não tenha relaxado tanto assim. – Você não merece ouvir esse tipo de coisa. Nem tudo se baseia na sua falta de visão. Quase nada se baseia na sua falta de visão!
– E o que se baseia na minha falta de visão? - fiquei apreensivo.
– O fato de que eu queria que pudesse ver como o mundo pode ser lindo! Se bem que, nesse momento, é melhor mesmo que você não veja como algumas pessoas podem ser cruéis! "Ou ele é rico, ou ela teve dó de dizer não". - sua voz ficou estranhamente fina me provocando um riso quase escandaloso.
– Eu ouço muito bem e tenho quase certeza de que a voz dela não era bem assim... - levei um leve tapa e pude ouvir seu riso contido.
– Não defenda ela. Aquela menina não merece que você seja gentil.
Sentir a sua preocupação e indignação com o ocorrido me trouxe mais ainda a certeza do que eu queria para minha vida. Eu queria ela, queria a Camila.
Há algum tempo venho planejando, apenas na minha cabeça, esse momento e ontem resolvi comprar para ela um presente. Um colar de prata que mamãe me ajudou a escolher. Queria algo delicado, que a fizesse se lembrar de mim e, bom, ninguém melhor que minha mãe para me ajudar nessa missão. Taylor também seria uma ótima opção, mas não tenho certeza de que ela teria segurado a língua dentro da boca.
– Eu tenho uma coisa pra você. - estendi minhas mãos, que prontamente foram acariciadas por ela, sobre a mesa. – Mas queria te dizer algo antes.
– Devo me preocupar? Não vá me dizer que já não sonha mais nem em preto e branco. - o espanto era eminente em sua voz, o que me causou um leve riso e uma sensação gostosa na barriga.
– Não é nada disso. Só queria dizer que... Bom, eu queria que soubesse que eu a quero mais que tudo nessa vida. Eu gostaria de pedir que aceitasse, quem sabe, namorar comigo.
– Você não pode fazer esse tipo de coisa comigo, Shawn Mendes! Me assustou. - acariciei meu braço fazendo uma leve careta pelo tapa que levei na região. – É claro que eu aceito ser sua namorada! Na verdade, é o que eu mais quero na vida.
Sorri e estendi os dedos para sentir seu rosto. Ela estava sorrindo abertamente, um sorriso aparentemente genuíno e feliz.
– Aqui está o seu presente! - estendi para ela a caixinha que eu tinha guardada em meu bolso. – Espero que goste! Caso não gostar podemos ir trocar quando formos comprar nossas alianças...
– Elas não estão aí?
– Não, eu não queria correr o risco de que você não gostasse delas, por isso pedi a ajuda da minha mãe para te comprar um colar. Você já abriu?
– Oh, não. Vou abrir exatamente agora! - o som oco da tampa sendo depositada na mesa me fez sorrir em expectativa. Espero que ela goste, espero que ela goste, espero que ela gosta. Era o que se repetia constantemente em minha mente enquanto ela se mantinha em silêncio.
Talvez fosse cedo para tudo isso, há quem diga que, antes dos dezoito anos não devemos nos prender a ninguém, porém, eu sempre ouvi meus pais falando sobre como tiveram uma vida feliz casando-se antes dos vinte.
Uma coisa que minha deficiência me trouxe foi percepção, e todos sabemos interpretar um silêncio.
Ao contrário do que eu imaginei na minha casa enquanto me arrumava para o que seria, supostamente, meu último encontro com minha, provável, futura namorada, o silêncio que se instalo entre nós não me deixou apreensivo ou apavorado ou preocupado ou tudo isso junto, aquele silêncio me dizia que ela havia gostado do que eu havia lhe dado. Significava que Dona Karen realmente sabia o que estava escolhendo.
Mais que isso, mostrava que EU soube explicar para minha mãe exatamente o que ela deveria escolher para ela, o que iria alegrar o coração de Camila, o que alegraria à minha melhor amiga.
– É a coisa mais linda que eu já vi em toda a minha vida! Tia Karen é ótima com joias. - o tom quase sussurrado de sua voz acariciou meus ouvidos e eu pude sorrir.
– Você já entrou em meu coração, Mila, agora eu quero te dar um coração para carregar fora do peito. Abra-o e me diga se gosta do que vê.
– Como eu disse, a coisa mais linda que eu já vi em toda a minha vida!
– Não diga isso, posso apostar que você é a coisa mais linda que já viu em toda a sua vida.
– Não. O que há dentro dessa medalhinha é muito mais bonito que meu rosto refletido por um espelho!
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Paixão às Cegas.
Fanfic- Eu nunca quis tanto ver alguém como quero ver você. Se ao menos tivesse te conhecido antes de tudo isso... - Não se preocupe, nós vamos dar um jeito nisso tudo! Dou a minha palavra.