LAURA
Há coisas na vida que não fazem sentido. Por exemplo, descobrir que seu pai encobriu um crime que seu ex-namorado cometeu. Eu me peguei pensando nisso nos dias que se arrastaram se tinha feito a escolha certa de ir embora de casa, porque se eu não tivesse ido, talvez aquela garota ainda estivesse viva.
Custou até Serge mostrar como localizou a multa de velocidade, como puxou as câmeras e analisou detalhe por detalhe até encontrar um corte no vídeo. É aí que todas as informações mudam. Meu pai é um monstro, o pior que achei conhecer na vida. Me afundei no mar de vestidos e comidas deliciosas com Hannah pelos últimos tempos. Eu assisti aos filmes cafonas com Edelin mais vezes do que já assisti a todos esses anos sozinha e fizemos algumas compras juntas. Esse era o meu recomeço. Não era perfeito para outros, admito, mas era para mim.
Mesmo que os sinos de casamento soassem cada vez mais alto. Sabia que ainda tinha algo para fazer. Algo que eu gostaria de fazer para encerrar tudo aquilo de uma vez. Uma das minhas malas se mantinha ao meu lado, enquanto a alça da mochila pequena estava em meu ombro direito. Desembarcar do avião foi difícil porque tudo gritava que eu estava cometendo uma loucura. O fato de não ter contado para ninguém sobre minha viagem repentina deixava isso mais evidente.
Respirei fundo quando avistei o táxi dirigir para longe de mim. Não havia uma volta rápida e fácil dessa vez. Apertei a alça da mochila entre meus dedos, a ansiedade percorria meu corpo como nunca antes. Minhas pernas tremiam, eu só não sabia dizer o porque. Foi quando meus olhos se encontraram com os castanhos daquela mulher de cabelo curto liso que meu peito gritou mais alto. Ela estava diferente da última vez que a vi, mas os olhos tristes ainda estavam ali. Minha mochila escorada em meu ombro por fim alcançou o chão, foi como sentir o peso do mundo finalmente cair ali.
— Laura — sua voz carregava surpresa e um certo afeto.
— Oi, mãe — respondi na mesma intensidade.
Ficamos em silêncio. Seus olhos me encaravam por inteira, parecia precisar de algum tipo de prova para aceitar que eu estava em casa. Enquanto a mim, bem, tudo o que eu podia fazer era tentar não perder o fôlego diante dela.
— Você está tão diferente, querida — abriu um sorriso fraco. — Parece tão madura agora...
— Eu tive que aprender a ser — engoli com dificuldade.
Seu rosto se transformou diante da culpa que carregava. Ela podia não ser a que provocava minhas feridas, mas com certeza fez parte delas. Minha mãe não era a minha agressora e nunca foi, mas sempre foi cúmplice dela ao não me ajudar, ao não me socorrer.
— Seu pai fez o que achava certo — balançou a cabeça minimamente. — Ele sempre foi um pouco duro, mas tudo o que ele fez foi porque amava você.
— Existem tantos amores desastrosos por aí, mãe — soltei uma risada amarga. — Era isso que eu pensava que me esperava, porque o único amor que vi nesta casa veio sempre acompanhado de violência. Jorge sempre foi tão difícil de lidar, sempre adorando jogar palavras carregadas de manipulação e abraços que tentavam recuperar um pouco do meu amor depois de me destroçar com suas palavras. Mas lá no fundo ele sabia que acabava comigo e gostava desse poder.
— Não diga isso, querida...
— Ele também não sabia amar você — apertei os lábios, nervosa. — Você consegue se lembrar de como ele gostava de frisar que você nunca tinha trabalhado em lugares como ele trabalhou? Que a única coisa que você fez sua vida toda foi limpar e cozinhar em nossa casa enquanto ele fazia um papel brilhante na comunidade? Então depois tudo ficava um silêncio por dias e depois ele voltava a conversar como se nada tivesse acontecido e você aceitava tudo. Aceitava tudo o que ele tinha para dar, sem repreender, exigir por respeito ou coragem de fazer as malas e recomeçar de novo. Você também é culpada, mãe.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Nas Alturas •CONCLUÍDA•
Romance+ 18 | Quais as chances de encontrar a pessoa certa no casamento dos seus melhores amigos? Laura O'brien sempre teve prazer de ficar nas alturas e observar aviões, por isso, contra tudo o que sua família gostaria, se tornou piloto. O amor ficou nas...