Peterson tem 14 anos. Menino introvertido, sua fortaleza é seu quarto, a sua couraça da justiça é seu celular. Nele, Peterson ataca e se defende das injustiças do mundo. Sua vida é a escola, quando vai, além de sua casa. Diga-se de passagem, ele não tem muitos amigos, então, quando acaba a aula, logo segue para casa.
O garoto já passou por duas internações psiquiátricas. A mãe não sabe o real motivo do menino ser assim. Sempre calado, com pensamentos negativos, antissocial, como ela mesma diz. A mãe culpa o celular, dizendo que tudo que não presta ele encontra ali.
A verdade é que Peterson dá poucos ouvidos à mãe e não é porque ele é mal agradecido, é porque ele já chegou em um nível que não adianta mais falar. Ele é interrompido pelas constantes intervenções dela e sufocado pelos argumentos nada racionais. Chegou num nível que está no "automático", como um robô, apenas faz o que está programado a fazer. Esperando, um dia, que seja reprogramado. O que Peterson ainda não se deu conta é que ele mesmo pode se reprogramar. Talvez a pouca idade que tem não lhe permita saber disso.
Fissurado em filmes e séries, sempre tá ligado em fóruns ou canais no Youtube que falam das novidades do mundo da Sétima Arte. A leitura é algo que ele gosta também, porém, não com tanto afinco como os filmes.
Existe um canal no Youtube que o menino gosta demais. Canal Jovem Coroa, um canal que dá dicas de filmes e faz humor. Peterson não curte apenas pelas dicas de filmes, curte porque quem apresenta o canal é um cara que tem um transtorno. O cara é bipolar e para passar o tempo faz diversas coisas, desde de falar de saúde mental, literatura e entretenimento em geral. Talvez ele veja neste homem uma espécie de admiração, do tipo superação ou quem sabe queira mesmo apenas se entreter e rir um pouco.
Dias atrás, ao assistir a crítica do canal sobre o filme Enola Holmes, o rapaz se deparou com uma cena que o fez chorar. O filme, que retrata a vida da irmã mais nova do investigador mais famoso do mundo, Sherlock Holmes, chamou sua atenção. O momento é quando Sherlock fala para irmã que a mãe sempre achou a filha extraordinária. Tanto Enola dentro da tela quanto Peterson emocionaram-se com tais palavras.
Ao fim do filme, quando sobem os créditos, ao som de uma música muito bonita, o menino encontrava-se com um olhar distante. Levantou-se e foi ao encontro da mãe. Não se sabe ao certo o que ele foi fazer ali. Chegou na cozinha, escorou-se no vão que divide a sala do cômodo e olhou para a mãe. A mulher que estava atenta com os olhos na comida e os ouvidos na TV ligada, não percebeu a presença do rapaz. Um olhar mais atento aos lábios dele, vê que queria pronunciar algo, tudo indicava ser a palavra "mãe", porém, ele encheu o peito de ar, as lágrimas caíram daqueles olhos vitrificados na mulher e, soltando o ar dos pulmões, ele deu meia volta e seguiu para o seu quarto.
Peterson faz parte das estatísticas e das críticas daqueles que foram e são educados pelas telas dos celulares. Interessante que essa mesma sociedade, na década de 80 e 90, também educaram seus filhos pelas telas, só que desta vez das televisões. Nessas épocas os conteúdos eram perigosos também. Sexo, racismo, violência e preconceitos eram nítidos nas programações de domingo a domingo. Hoje, com o politicamente correto, está havendo uma reestruturação nas programações. Mesmo assim, a quem diga que essa tal de internet veio para destruir as famílias.
Os anos foram passando, entre uma internação e outra. O homem Peterson migrava do semiautomático para o automático. Percebia-se uma ligeira melhora quando frequentava suas sessões de terapia, voltava mais alegre, decidido, entusiasmado e até falante. Porém, dois fatores faziam o homem voltar como tudo antes. O primeiro era que ao perceber esta melhora o mesmo deixava de frequentar suas sessões e o segundo era o lar estressor. Aos 27 anos agora, ele trabalha e estuda. Ah, e também está noivo. A noiva veio através de grupos de bate-papo da tal de internet.
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Você é extraordinário
Teen FictionPeterson é um garoto de 14 anos que tem baixa autoestima e que não que não consegue dialogar com a mãe sobre seus sentimentos. Após assistir o filme Enola Holmes ele se emociona com uma cena especifica e passado 13 anos ele tem uma conversa definiti...