Conto.

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A janela aberta da motorista deixa o vento entrar rapidamente, dando um movimento cinematográfico ao cabelo da Marcela. Ela amava andar em altas velocidades, e estava sempre impecável, com seu salto alto de prata com detalhes em ouro, sua calça jeans desbotada, sua blusa listrada decotada e as joias, que realçavam sua beleza. Sempre que ela entrava no carro, os brincos e colares de esmeraldas ou safiras eram a primeira coisa que eu reparava.
Sinto o carro frear. Marcela pega o telefone e procura por uma música que levante seu astral. Ela parece feliz nesta tarde, ouvi ela conversando no telefone sobre um encontro. Talvez seja pra lá que estamos indo.
Mas de repente sua feição muda, ela endireita-se no banco e rapidamente fecha sua janela, voltando a olhar fixamente pro telefone. Um homem chega em sua janela, ele mostra um cartaz com algumas letras e números. Uma criança o acompanha. Eles batem no vidro, pedindo por ajuda, por comida, mas Marcela começa a gravar uma mensagem de voz para sua amiga, sem os ver. Eles continuam no vidro, implorando por qualquer ajuda, mas agora ela encara o sinal enquanto continua conversando com sua amiga. Marcela olha fixamente para o semáforo, aguardando ansiosamente pela luz verde. Eu vejo que o olhar da criança cruza com o meu. Os olhos dela brilham quando me veem. Por um segundo eu sinto tudo que ela sente. A fome que dói no estômago, o frio que corta sua pele, a dor nos pés descalços. Eu penso então no que poderia fazer por ela, talvez pudesse comprar alguns pães, talvez uma garrafa d'água. Eu poderia me juntar com meus companheiros próximos e fazer algo maior. Talvez comprar uma refeição completa para ela e sua família. Começo a imaginar como eles se sentiriam se eu os ajudasse. Começo a imaginar os lugares que já estive e das coisas que já fui capaz de comprar. Talvez pudesse dar algo de tudo isso à eles. Sinto que com apenas uma ação de Marcela eu poderia fazer a diferença. Mas parece que ela não os vê. Talvez o vidro esteja escuro de onde ela está sentada. Mas eu os vejo, vejo suas necessidades, seus medos. Sinto que sozinho, ou com outros, eu poderia ajuda-los.
Mas nada acontece. O sinal abre, o carro avança e todos meus planos de ajuda-los são levados pelo vento que começa a entrar pela janela que Marcela torna a abrir. Marcela poderia ter feito algo, mas não os viu. Eu poderia ter feito algo, mas sou apenas uma moeda.

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