CARTAS E COBRAS

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27 de Julho 1975.

Saltburn-by-the-Sea, North Yorkshire, Inglaterra

Aurelia odiava a casa dos pais. Estar ali trazia-lhe memórias extremamente desagradáveis das quais não se importaria caso fossem apagadas. Seu maior desejo, de fato, era se afastar de tudo que pudesse liga-la a Casa Ramsay, no entanto jamais tivera coragem o bastante para se desligar daquelas pessoas, daquele lugar e do seu passado. E isso lhe custaria um preço caro a se pagar. Ela havia feito de tudo para afastar sua filha de seus pais, Pearl e Everett, e o casal jamais expressou qualquer interesse na garota além do necessário para que se mantivessem as aparências da família e seus privilégios na sociedade bruxa. Porém, agora, o destino a jogava de volta para aquele lugar.

Tal como outras famílias do mundo bruxo, os Ramsay fariam de tudo pelo nome da família e pelo status social. Porém, ao longo do tempo, os cofres da família ficaram praticamente vazios e tornara-se impossível manter a posição que tinham na sociedade. Convenientemente, sua filha mais velha anunciara seu noivado com o herdeiro da Nobre e Antiga Casa Waters, rapaz este que era totalmente desconhecido pela comunidade bruxa britânica. A maioria das pessoas nem sequer sabia que o recluso Lorde Rudolf havia se casado, pelos céus, e ainda por cima tido um filho! De fato, os Waters eram conhecidos por sua descrição e suas posses acumuladas por gerações em todo o Reino Unido, e esta última característica tornou a união de Aurélia extremamente interessante aos seus pais.

Já era tarde demais quando Pearl e Everett descobriram a natureza do genro. Efetivamente, só descobriram quando foram visitar os recém casados, logo após o casal ter voltado da lua de mel, para pedir um primeiro favor monetário que seria seguido de muitos outros. Eles não haviam sido convidados para a cerimônia e Aurora, a segunda filha do casal, não os havia cedido qualquer informação sobre o casamento da irmã mais velha.

Aurelia suspeitava do interesse dos pais em participar de um grupo supremacista que ascendia no país, cuja principal defesa era da pureza da linhagem e da defesa do mundo bruxo de qualquer fator que pudesse corrompê-lo. Esse fator consistia na mera existência de mestiços e nascidos trouxas em sua sociedade. Os aurores do ministério começaram a suspeitar da existência de uma conspiração iniciada por um grupo radical de nobres sangues-puros à favor da eliminação de mestiços e nascidos trouxas da comunidade bruxa britânica. Alguns desaparecimentos haviam sido reportados no país e o Departamento de Leis de Execução da Magia começara a se preocupar. De fato, a mulher trabalhava junto a chefia do D.L.E.M., logo estava envolvida ao início de um inquérito investigativo quanto a tais acontecimentos, mas até o momento, não havia provas.

Ela se sentia parcialmente paranoica; queria acreditar que estava apenas paranoica. Afinal, os pais dela necessitavam de dinheiro para manter sua posição, eles eram nobres de sangue puro e tinham uma reputação a zelar para com as outras famílias importantes da comunidade inglesa, apenas isso. Para Aurelia, que havia crescido em meio a tais costumes, aquela atitude dos pais era condizente com as pessoas que eles eram, não havia nada fora do normal naquilo certo? Eles nunca foram bons administradores e ela devia admitir que desfrutara várias vezes ao longo de sua vida dos benefícios socias e monetários que o seu sobrenome e posição puderam oferecer e poderia ser difícil viver sem eles. Aquilo não queria dizer que eles estavam ajudando a financiar uma organização criminosa ou algo do tipo. Era plausível que ela assistisse os pais com suas necessidades.

Thomas não concordava com a esposa, mas como ela poderia se negar a ajudar os próprios pais? Era uma situação difícil. Tom também hesitara em aproximar-se dos Ramsay, aquilo não lhe cheirava bem. Nesse sentido, ele teve uma ideia.

Em meio ao cenário que se formava no país, ela e os pais assinariam um contrato, uma promessa inquebrável havia de ser feita, logo a quebra daquele tipo de juramento seria fatal para qualquer uma das partes. Aurelia ajudaria os pais monetariamente com uma pensão aceitável todos os meses, enquanto pudesse, com a condição de que eles jamais revelassem qualquer informação sobre Thomas ou qualquer membro da família deles, inclusive os que poderiam vir a nascer. Eles, é claro, aceitaram a proposta sem pestanejar.

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