FAZENDA SANTA ISABEL
As palavras de João Manoel a violentaram com a mesma crueldade ofegante do estupro físico: “Preta, pra mim, só, pra, esfregar!” disse pausadamente misturando palavras, ruídos nasais e respiração.
E nem interromperia o vai e vem do sexo para dar o mínimo de atenção à notícia da nova gravidez que tinha provocado. Preta, a negra que ele havia trazido para a Fazenda Santa Isabel ainda criança, transformada em escrava sexual ainda nos limites da infância, agora, jovem encorpada, tentava amenizar as dores que se espalhavam pelo corpo (do sexo em fogo ao couro cabeludo latejante) pensando no filho que já podia sentir no ventre comprimido pelo peso e movimentos de seu Senhor. Dizem que as mulheres sabem quando estão grávidas. Verdade ou não, ela sentia. E estava. Mas o pai não queria saber do filho e ela estava com medo de mais um aborto.
Desde o início dos estupros, era a terceira vez que ficava grávida. Nas outras vezes os filhos haviam sido arrancados por um médico amigo do fazendeiro e dono de uma fazenda vizinha. Os dois virariam anjos e era assim que ela gostava de pensar neles. E pensava sempre. Mesmo quando os afazeres e acontecimentos diários pareciam concentrar toda sua atenção, mantinha-se ligada aos filhos abortados por um fio de pensamento que a mantinha ligada a própria vida. Pensava nos filhos durante o dia e quando anoitecia, com exceção das quartas-feiras, sonhava com eles.
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Filhos da Preta
RomanceDois irmãos: um negro, um branco, num só corpo, numa história de todos nós! Prefácio “Preta é parideira de um inusitado 2 em 1. Oprimido e opressor dividem o mesmo país, a mesma cidade, o mesmo bairro, a mesma casa, a mesma família e (aqui) até o me...