John estava sentado na cozinha folheando os velhos livros de seu pai. Ele os havia achado no porão de casa, um lugar mirrado com parede de pedras e um forte cheiro de pano úmido, além de um bocado de poeira. Quatro livros foi quanto ele conseguiu trazer consigo e colocar na mesa. Dois deles eram grossos e de capa preta e sem qualquer imagem, o que decepcionou John ao perceber que havia subido as escadas carregando peso desnecessário.
Apesar disso, os outros dois livros valeram o esforço. CONTOS I e CONTOS II. John gostava do nome contos, parecia o tipo de coisa que sua mãe leria para ele ao anoitecer. E também tinham imagens!
Ele começou a folhear o primeiro. As imagens eram negras e afundavam na folha, como se tivessem sido desenhadas pelo próprio John. Ele reconheceu alguns dos contos que ali estavam: Chapeuzinho Vermelho, João e o Pé de Feijão, João e Maria... Sua mãe já havia contado essas histórias para ele.
"Se sair pela floresta, terminará como a Chapeuzinho e será devorada por lobos".
"Se tentar pegar o que não é seu, terminará como João e será lançado do céu".
"Se aceitar doces de estranhos, terminará como João e Maria e será devorado por uma bruxa!".
John morria de medo dessas histórias, mas era por isso mesmo que estava ali, enfiado nos livros, olhando com os olhos arregalados para os desenhos. A sensação de estar fazendo algo proibido o deixava ainda mais curioso, o medo apenas o instigava a continuar.
O primeiro livro se mostrou muito interessante, apesar de quase todas as histórias serem conhecidas por John. Já o segundo era um pouco mais grosso e parecia ainda mais velho do que o primeiro, apesar de ser o segundo volume. John se arrumou na cadeira e abriu o livro quase no meio, porque as primeiras páginas estavam grudadas umas nas outras. Ele passou os olhos pela página, ignorando as letras menores e procurando por imagens.
A BRUXA, estava escrito no meio da página, logo abaixo havia uma mulher com os olhos grandes e negros fundos no rosto magro. Seus braços finos estavam agarrados ao corpo esquelético e curvado. Ela olhava para John com seu semblante triste e apavorante.
A história dizia que a bruxa era uma alma condenada, que perambulava pela floresta procurando a quem tragar. Seu desejo por sangue era infinito, assim como a sua maldade. A Bruxa não perdoava ninguém, porque ela nunca fora perdoada. A Bruxa não amava ninguém. Porque ela nunca foi amada. A Bruxa não conhece nada além da morte...
O grito do lado de fora fez John largar o livro e pular da cadeira, seu coração pulando em seu peito.
"Eu vi, eu vi!", John ouviu alguém falar do lado de fora. Com as pernas tremendo, ele foi janela para ver o que estava acontecendo. Fez todo o caminho sem tirar os olhos do livro, como se a bruxa pudesse sair dali a qualquer momento.
"Eu vi a morte", o homem continuou. "Ela veio em forma de mulher. Eu vi, eu juro!".
O pai de John, que estava do lado de fora da casa ajeitando lenha recém cortada, foi até o homem para tentar entender o que estava acontecendo.
"Você viu a morte? Que história é essa?" perguntou o pai de John.
"Eu vi!", disse o homem, saliva saltava de sua boca enquanto ele falava. "Eu estava na floresta perseguindo o cervo, o miserável se enfiou dentro do mato e eu não podia fazer outra coisa a não ser segui-lo. Você sabe como é, a gente não pode perder uma caça boa quando vê uma. Eu me enfiei no mato atrás do miserável, agarrado na minha espingarda", ele segurou a arma pendurada no peito para mostrar o que tinha feito. O homem falava alto, quase berrando, e por isso não demorou muito para os vizinhos saírem para ver o que estava acontecendo. "Foi quando eu vi. E eu juro pela vida das minhas crianças. Eu juro, eu vi a morte em forma de mulher!".
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A Bruxa
Short StoryA Bruxa não perdoava ninguém, porque ela nunca fora perdoada. A Bruxa não amava ninguém, porque ela nunca fora amada. A Bruxa não conhecia nada além da morte, porque ela era a morte. "Um povo ignorante é um instrumento cego da sua própria destruiçã...