PRÓLOGO

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Pessoas caminhando por ambos os lados da calçada naquele dia estranhamente quente de primavera, os termómetros de mercúrio na cidade marcavam cerca de 40º Celsius, as carruagens que serviam como taxis andavam como que se andassem sobre as chamas, com seus cavalos cansados e seus cocheiros derretendo debaixo de suas cartolas, enquanto mulheres pediam dinheiro sentadas na porta das lojas com vestidos doados pelas obras de caridades, enquanto outras se vendiam para sustentar seus vícios.

Logo mais a frente da praça, projetada, ampla e com bancos e coqueiros instalados, estava a igreja matriz, o marco zero da cidade, três prédios que eram sustentados pela igreja pois abrigavam sua papelada formavam um corredor e no alto deste, havia uma escola. Era pequena, porém abrigava as crianças da cidade que não podiam ter as mesmas regalias da elite. As mães estavam todas apreensivas, amedrontadas, criança por criança passava pela porta do prédio aos braços de sua respectiva mãe. Nos postes haviam três cartazes naquela região de crianças desaparecidas que simplesmente saíram para a aula e não chegaram nem a ver os exercícios e a voz da professora, outras voltando da escola jamais sentiriam o abraço de sua mãe novamente.

As crianças eram entregues conforme as mãe se aproximavam e reconhecidas, mas eram entregues em mãos e todos se retiravam. Logo mais atrás no outro quarteirão que era uma espécie de pousada ficavam dois policiais observando o fluxo de crianças e mães para tomar o máximo de cuidado para que novamente nenhuma delas desaparecesse.

Descendo a praça central, seguindo por uma série de boticários, vestuários e sapatarias, logo você vê uma enorme igreja emergindo com seus vitrais góticos banhados pelo sol, um movimento incomum ali de carruagens e babás que buscavam os filhos da elite da cidade com seus uniformes engomados e limpos. Haviam policiais que cuidavam do transito de carruagens ali e outros que anunciavam o desaparecimento de uma garotinha. Na praça que havia do outro lado da rua, conhecida por dois canhões que surgiram na época do império, o inspetor de policia estava entregando panfletos com uma foto de uma garotinha desanimada, loira de olhos claros e cabelos presos como chiquinhas presos por um laço no meio. As mães daquela região estavam horrorizadas com todas as notícias de crianças desaparecidas.

- Meu marido me disse que já são 18 crianças, com a jovem Madaleine, agora são 19. - ouvia numa rodinha de mães que moravam ali na região e buscavam seus filhos.

- Minha mãe disse que a Madie  foi para o céu encontrar o Tobi - dizia um dos alunos para seus amiguinhos.

Mil ideias, mil conjecturas e ninguém tinha ideia de onde estava a pequena Madie. Seus pais, Lisandra e Nemo Almeida eram descendentes de portugueses influentes da cidade e viraram dias buscando pela filha, mas nenhum dinheiro oferecido como recompensa foi o bastante para que ela aparecesse novamente. Lisandra ia todos os dias em busca de algum detalhe que fizesse ter a sensação de que teria em breve sua filha em seus braços novamente, porém nada parecia lhe confortar. 

Lisandra era uma mulher vaidosa, sua pele inspirava todo o vigor, apesar das olheiras pelas noites sem conseguir dormir e pelo choro por sua pequena, na casa dos 45 anos de idade, sempre fazia questão de passar um lápis preto ao redor dos olhos azuis, um batom vermelho nos lábios e vestia-se muito bem com roupas modestas. Naquela tarde ela estava extremamente cansada, não apenas pela busca, mas também pelo sol escaldante. Sentou-se em um dos bancos, quando notou ao seu lado um garotinho, cabelo raspado, todo sujo pela poeira, usava uma bermuda verde, larga para sua estatura com um coletinho informal e uma camiseta branca encardida. Ela sorriu para ele e ele retribuiu de forma tímida, logo aproximou-se uma simpática e meiga senhora:

- Muito quente, não? - disse a mulher com um pano ao redor da cabeça carregando uma sacola costurada a mão feita de sacos de farinha.

- Sim, minha senhora.. - disse olhando a mulher com um sorriso forçado.

- Minha filha, seu olhar é tão triste, tão denso e profundo... O que lhe ocorre?

- Nada, estou passando por um momento muito difícil... - disse retirando um lenço de debaixo da alça de seu vestido.

- Como está a sua vaidade? Noto que gosta de maquiagem... - sorriu a simpática senhora olhando por debaixo dos olhos de Lisandra - Mas tem algo que não devia estar aí... - botou a mão dentro de uma das sacolas e retirou um vidro marrom com tampa dourada e redondo - Use essa aqui, vai fazer bem para você...

- Desculpa, mas não quero comprar... 

- Essa é presente, para você se tornar freguesa quando acabar o frasco... - a mulher ofereceu o frasco na palma da mão.

- Mas este é composto de que? - perguntou Lisandra.

- Ah este é um segredo... Acha que bruxas e cozinheiras famosas guardam seus segredos em livros? Estão contidos em cadernos que ou são presos pela igreja ou são enterrados com elas. - riu a senhorinha simpática num tom engraçado que fez até mesmo Lisandra sorrir.

Ela tomou o vidro entre as mãos, abriu e sentiu o cheiro suave de lavanda, passou em sua mão e se admirou com a suavidade instantânea da pomada. Quando virou-se para perguntar quanto que custava, pois iria recomendar para suas amigas, a senhorinha simpática com o garotinho estavam descendo na direção do rio.

Logo na rua de cima na parte alta da praça os cavalos da policia corriam desenfreadamente em direção à estação de trem que ficava quase de frente para a prefeitura, entraram na vila dos funcionários da estrada de ferro e se viram cercados por casinhas todas iguais, pintadas de branco, dois casarões dos gerentes da estação e uma dezena de casinhas que se estendiam por uma estrada de paralelepípedos.

Um dos homens acenou com a cabeça para um pegar as casas da direita enquanto ele ia para a esquerda olhando por cima, era uma vila apertada e desconfortável, e facilmente alguém poderia se esconder entre as casinhas, um dos homens amarrou o cavalo na frente da casa principal, seguindo à pé fazendo uma verificação melhor.

As pessoas foram chegando ao redor, curiosas enquanto os homens olhavam pelas casas, Lisandra subiu a rua com dificuldade, mas se sua filha fosse encontrada naquele lugar, ela estava ali.

Os policiais andaram e voltaram, quando estavam no meio do quarteirão, um homem magro e alto saiu correndo em direção oposta a eles, na direção ao mudo debaixo da ponte do trem de carga, uma mulher soltou um grito e o policial com o cavalo foi na sua direção, do lado de trás das casas, outros policiais já esperavam com seus cavalos, ele estava capturado!

Os Quartos SecretosWhere stories live. Discover now