Zona do Medo

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Algum dia, algum mês, 2014 ou 2015.

Scarlet havia passado o final da semana na casa de Ágata, mas a segunda-feira finalmente chegou. Como de costume, Catra acorda mais cedo que seus irmãos e corre para a cozinha para ajudar sua mãe a preparar o café-da-manhã e lavar a louça.

Dona Simone, como ela é conhecida na comunidade, é uma mulher de meia-idade, pouco mais baixa que a filha adolescente, gordinha, e que sempre usa os cabelos enrolados presos num apertado rabo-de-cavalo que parece puxar toda a pele do seu rosto para cima.
- Bom dia, mãe – cumprimenta, morrendo de sono. Havia ficado até tarde conversando e contando piadas com Scarlet.
- Bom dia, pitica.

Enquanto sua mãe frita alguns ovos, Catra passa manteiga em vários pães, distribui apresuntado entre eles e depois corre para encher várias canecas de leite com chocolate e misturá-las, enquanto sua mãe distribui os ovos mexidos pelos pães. Logo, Caio aparece na cozinha carregando a pequena Luana no colo. Ele se senta fechando os olhos, como se fosse dormir ali mesmo: como de costume, a mais nova acordara e fora correndo cutucá-lo em sua cama para levá-la para a cozinha. Catra começa a distribuir os copos de leite na mesinha apertada, enquanto sua mãe traz os pratos com os sanduíches.
- Bom dia – Catra diz em linguagem de sinais para Caio, mas por estar distraído, de olhos semicerrados e quase dormindo, ele não vê. Catra sinaliza à irmãzinha que dê uma cutucada nele, despertando-o mais uma vez, e Catra torna a falar com o irmão em linguagem de sinais – bom dia, flor do dia! Não vai dormir aí não, viu?

Caio lentamente levanta as mãos, mantendo Luana equilibrada em seu colo, e gesticula uma resposta.
- Não vou. Só me dá cinco minutos.
- Ágata – chama sua mãe, parecendo envergonhada – eu esqueci como é, mostra de novo...

A garota faz os sinais de "bom dia" para a mãe, que tenta imitá-los direcionando-os ao filho mais velho. Caio sorri com o esforço e responde com "bom dia" também.
- Agora vai acordar os outros – manda ela, já se sentando e devorando sua comida. Catra vai até o próprio quarto e acorda Scarlet com um beijinho no rosto e balançando seus ombros de leve.
- Ei, psiu. Amor, acorda – chama. Scarlet grunhe, sonolenta.

A garota a havia pedido em namoro há uma semana, mas ainda não contaram para ninguém.
- Eu não quero ir pra escola hoje...
- Vamos logo amor, tem café-da-manhã!
- Ai... tá bom.
- Eu vou acordar os outros, tá?

Catra deixa o próprio quarto e caminha até o dos garotos. Por ter sido a única filha mulher por muito tempo, ela ganhara o privilégio de um quarto próprio, enquanto seus irmãos se amontoam num quartinho compartilhado entre eles. Quando Luana nasceu, a princípio dormia com sua mãe, mas conforme cresce, começa a grudar em Caio e querer dormir com ele, em vez de no "quarto das meninas" com Catra.

Ela não é nem de longe tão delicada quanto com Scarlet para acordá-los. Já entra acendendo a luz e batendo na porta.
- DE PÉ CAMBADA! É HORA DE IR PRA ESCOLA!

Lucas salta da cama com o susto, enquanto Jê tenta cobrir a cabeça com o travesseiro.
- Para, Ágata – reclama, com a voz abafada. Lucas põe a mão sobre o peito, com cara de aflito.
- Porra – deixa escapar – um dia cê inda me mata.
- Vamo logo, caceta – apressa Catra, avançando para o beliche dos dois e batendo palmas freneticamente – anda, anda, anda! Acorda Jê! Lucas, me ajuda aqui!

Lucas, que desce as escadas do beliche nesse momento, lança um olhar cansado para a irmã mais velha, termina de descer e não responde nada, em vez disso indo para o armário pegar suas roupas, enquanto Catra sacode o irmão pelos ombros de maneira bem menos gentil do que fizera com Scarlet.
- Tá, tá! Acordei, acordei! Para de me balançar, eu vou acabar vomitando!
- Espero cêis dois na cozinha em dois minutos viu?
- Ágata, dá pra sair? Eu preciso me trocar – pede Lucas.

Gringa Grudenta - (Catradora)Onde histórias criam vida. Descubra agora