MMXX: Rise, Boyce Avenue Cover

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Gizelly Bicalho

2020

Seus pés começavam a doer, o cansaço junto com o esgotamento físico e mental chegou com uma enxaqueca horrível, mas nem o remédio que uma das enfermeiras lhe deu foi capaz de trazer um pouco de descanso para sua mente preocupada. Andava de um lado para o outro na pequena sala de espera que tinha sido obrigada a ficar até o fim da cirurgia, Marcela dormia de mal jeito em uma das poltronas, o rosto dela ainda estava vermelho pelo choro.

Tinha tido ajuda de uma médica para dopar Marcela e fazê-la dormir, sua namorada não conseguia lidar bem com a ansiedade e sabia que ela não dormiria enquanto não tivesse notícias da amiga. Tentaram fazer o mesmo consigo, mas alguém precisava ficar acordado para quando a cirurgia acabasse ou caso algo desse errado, então só lhe deram um calmante mas o efeito foi quase nulo.

Sua cabeça estava uma completa bagunça, tudo que tinha feito desde do momento que havia recebido a ligação até agora era ficar em modo automático, tinha certeza que se passasse mais algumas horas sem nenhuma informação entraria em colapso.

Manoela era sem dúvidas uma das coisas mais importantes de sua vida, e saber que corria o enorme risco de perdê-la deixava suas pernas bambas. Ao menos tinha a visto alguns minutos antes dela entrar para cirurgia, o corpo pequeno parecia mais magro que o de costume e vê-la chorar por quem amava fez seu coração quebrar como vidro dentro do peito.

Lágrimas começaram a molhar seu rosto, e precisou sentar na outra poltrona que havia ali para não perder o equilíbrio. O choro desesperado tomou conta de seu corpo, e os soluços escapavam se sua boca sem permissão, um sentimento ruim se apossou de seu coração e aquilo lhe assustou de tal maneira que quase a fez perder o ar.

Mas então ouviu a porta  abrindo e fechando em seguida, uma médica havia entrado no quarto. Vestia um uniforme azul denunciando que tinha acabado de sair de uma cirurgia, o olhar dela estava tão cansado quanto o corpo parecia estar, mas os olhos brilhavam e aquilo de alguma maneira acalmou Gizelly.

— Sou Thelma Regina. — ela disse sorrindo de maneira contida. — A cirurgiã responsável por Manoela Gavassi.

— Gizelly Bicalho. — limpou o rosto e estendeu a mão em seguida, Thelma negou o aperto e agachou em sua frente.

— Sei quem você é, ele fez questão de contar. — ela respirou fundo deixando as mãos descansarem no colo de Gizelly. — Acho que foi uma das cirurgias mais difíceis que já participei, poderia passar horas e horas explicado como todo o procedimento foi feito mas sei que você só quer uma resposta.

— Tem três anos que ela se mudou para cá, veio fazer faculdade de medicina, não aguentou nem o primeiro semestre. — riu fraco, sem se importar com as lágrimas que caiam. — Depois passou para direito, foi onde a gente se conheceu, eu não sabia nada da matéria que iria cair na prova e ela virou a madrugada estudando comigo.

O sensação de sufocamento aumentava, talvez fosse os soluços presos, mas não conseguia parar de falar, o medo do que Thelma tinha para dizer era maior do que qualquer coisa que já havia sentido.

— Quando ouvi ela cantando pela primeira vez depois de uma aula de direito penal, soube que ela poderia ser a melhor da turma e ter as notas mais altas do curso, mas aquele não era o lugar dela. — Gizelly não tinha nem coragem de encarar a mulher que estava agachada na sua frente, seus olhos se perdiam no cordão enrolado na mão, o pingente de barquinho era apertado com força contra sua palma. — E então ela me contou que o sonho do pai era vê-la fazendo medicina, já o da mãe era vê-la fazendo direito, e passou à noite chorando no meu colo quando contou que os dois morreram em um desabamento.

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